Lula saiu das urnas pedindo ao Congresso um cheque para quatro anos de governo — quase 200 bilhões de reais ao ano, fora do previsto no orçamento para 2023. No meio do caminho, topou reduzir o prazo para dois anos no meio das negociações.
Ontem, quarta-feira 21, recebeu 145 bilhões — pelos cálculos do governo, suficiente para cobrir gastos extras nos primeiros doze meses.
O desgaste do novo governo, que ainda não nasceu, pode ser medido pelo tamanho da lipoaspiração feita na PEC da Transição pelo agrupamento de forças da centro-direita na Câmara.
No fim das contas, Lula conseguiu aprovar sua proposta de emenda constitucional, em dois turnos, por maioria de 331 votos. Ou seja, com apoio de 67% dos deputados que participaram da sessão.
É resultado expressivo para governo eleito com minoria parlamentar. Contém uma boa notícia, na interpretação dada pelo novo ministro da Fazenda, Fernando Haddad: “Ficamos na neutralidade fiscal.”
Em português, ele sugere que não seria necessário um aumento de carga tributária. Pelo menos no primeiro ano de governo.
O placar da Câmara, no entanto, deve ser visto com cautela.
O jogo ainda nem começou, lembra o senador Esperidião Amim (PP-SC) com o humor cáustico: “Assim como não se nega o último pedido de um condenado à morte, em política não se nega o primeiro pedido de um presidente eleito.”
Lula aprovou a PEC da Transição com vantagem de 23 votos no plenário dos deputados. Obteve 7% a mais do que o mínimo necessário (308 votos).
O êxito foi determinado pela centro-direita, com auxílio do Progressistas de Arthur Lira, presidente da Câmara que fez questão de votar, e do Partido Liberal de Valdemar Costa Neto e Jair Bolsonaro.
No Senado foram 66 votos a favor entre 77 participantes. Margem de 85%.
No conjunto, o Congresso desenhou sua rota para um novo equilíbrio de poder com o governo.
No resultado das votações fica evidente o desgaste de Lula, realçadas pelas fissuras no bloco dos aliados, minoritário e descontente.
Ganhou fôlego financeiro de curto prazo, mas levou muito menos do que pretendia: vai atravessar o primeiro semestre de 2023 amarrado numa negociação com a centro-direita sobre o novo padrão de controle de gastos e estabilidade das contas governamentais.
A legislação aprovada estabelece prazo até agosto, mas há pelo menos dois bons motivos para o governo se antecipar:
1) Quanto mais demorar para apresentar o “arcabouço fiscal” — expressão adotada pelo novo ministro da Fazenda —, maior será a pressão do setor privado, que já está adiando investimentos à espera do desfecho;
2) Pelo ritual constitucional, o governo vai precisar definir até abril as diretrizes orçamentárias para 2024. Seria muito difícil delinear a base do orçamento do ano seguinte sem o mecanismo de controle de gastos e estabilidade nas contas, o “arcabouço fiscal”.
Esse novo quadro político foi impulsionado pelo veto do Supremo Tribunal Federal à continuidade do orçamento secreto.
O Supremo liquidou o modelo Bolsonaro de governança, assentado na concentração de verbas públicas em centena e meia de parlamentares.
Protegidos pelo anonimato, eles manejaram 26 bilhões de reais do orçamento público nos últimos 24 meses. Por enquanto, ninguém sabe quem são e qual o destino dado a essa dinheirama. Por enquanto…