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Informação e análise
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Bolsonaro mobilizou governo para ajudar um amigo por “pedaço de azulejo”

Na Fiesp, ele contou como moveu ministério e órgãos federais para resolver incômodo financeiro e arqueológico de empresário aliado e candidato ao Congresso

Por José Casado Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 17 dez 2021, 16h54 - Publicado em 16 dez 2021, 08h00
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  • Numa reunião com empresários ontem, na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Jair Bolsonaro contou como opera o governo, a partir da influência de amigos negociantes.

    Em meados de 2019 houve um impasse no canteiro de uma obra particular na cidade de Rio Grande, no Rio Grande do Sul. Durante a escavação do terreno foram encontrados materiais de valor arqueológico.

    A construção da loja de varejo foi interrompida pela empresa proprietária, seguindo as regras do autolicenciamento que havia assinado com órgãos públicos. O empresário, naturalmente, sentiu-se incomodado com os custos da paralisação previstos no compromisso assumido.

    O caso foi levado a Bolsonaro, no Palácio do Planalto, a 2,4 mil quilômetros ao norte. “Tomei conhecimento que uma obra de uma pessoa conhecida, o Luciano Hang, estava fazendo mais uma loja, e apareceu um pedaço de azulejo nas escavações” — relatou na Fiesp. “Chegou o Iphan e interditou a obra.”

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    Iphan é sigla do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. É um organismo federal com 84 anos de existência — 18 anos mais do que Bolsonaro tem de vida —, possui unidades espalhadas pelo país, com a missão de salvaguardar o patrimônio histórico e cultural.

    Bolsonaro continuou: “Liguei para o ministro da pasta e [perguntei]: ‘que ‘trem’ é esse?’; porque não sou inteligente como meus ministros. ‘O que é Iphan, com PH?’ Explicaram para mim. Tomei conhecimento, ‘ripei’ todo mundo do Iphan. Botei outro cara lá.”

    Os empresários na plateia riram e aplaudiram o presidente da República confessando interferência indevida numa convenção formal (“Termo de Compromisso do Empreendedor”) entre empresa privada e órgãos estatais.

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    Bolsonaro e Hang, que se dizem liberais, foram protagonistas de um episódio do mais autêntico capitalismo de laços, retratado em livro pelo professor Sergio Lazzarini, do Insper. No início da década ele mostrou (em “Capitalismo de Laços – Os Donos do Brasil e Suas Conexões”) como a influência do poder econômico combinada a interesses corporativos pode ajudar à multiplicação dos lucros de empresas ligadas direta ou indiretamente ao governo.

    Com um telefonema a um ministro, o presidente resolveu o incômodo financeiro e arqueológico do amigo comerciante, aliado político e candidato a uma cadeira no Congresso no próximo ano.

    Hang já pode se considerar um dos “campeões nacionais” em influência da era Bolsonaro: conseguiu mover presidência, ministérios e organismos públicos por causa de “um pedaço de azulejo” no seu terreno.

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    Bem diferente foi o comportamento de uma empresa multinacional, a cervejaria holandesa Heineken. Na véspera, anunciou a desistência de um projeto em Pedro Leopoldo, na área metropolitana de Belo Horizonte, a menos de um quilômetro da Lapa Vermelha, um sítio arqueológico.

    Com 158 anos de existência — 123 anos a mais que a Havan—, a Heineken aprendeu a proteger o valor da sua marca na convivência com as comunidades onde faz negócios.

    Havia previsto investimento de R$ 1,8 bilhão na linha de produção em Pedro Leopoldo, que se tornaria uma das três maiores do grupo no planeta.

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    Crânio de Luzia, de 11,5 mil anos de idade, encontrado em área a menos de mil metros do terreno onde seria instalada a fábrica da Heineken
    Crânio de Luzia, de 11,5 mil anos de idade, encontrado em área a menos de mil metros do terreno onde seria instalada a fábrica da Heineken — (Museu Nacional/Divulgação)

    O problema é que o terreno comprado está a mil metros da Lapa Vermelha. Ali, em 1974, no auge da ditadura militar, encontrou-se Luzia, fóssil de mulher mais antigo no continente americano, com idade aproximada de 11,5 mil anos.

    A área integra a lista do patrimônio histórico e cultural sob zelo do Iphan, que, segundo o Ministério Público, não havia sido consultado pelos órgãos estaduais no licenciamento da fábrica.

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    Na terça-feira, a Heineken confirmou ter desistido de construir a fábrica de cerveja “após poucos meses de diálogo sobre os diferentes entendimentos de órgãos envolvidos e da sociedade em geral, relacionados à proximidade com uma importante área de preservação ambiental e arqueológica da região”. Preferiu deslocar o projeto, sem sair de Minas Gerais.

    A Heineken disputa o mercado global com a gigante Ambev. No primeiro semestre, lucrou 1,6 bilhão de euros, 109% a mais sobre um faturamento mundial de 9,9 bilhões de euros. Batalha no Brasil por uma fatia do consumo, que é dominado (70%) pela Ambev.

    Pragmática, fez as contas e concluiu que sairia mais barato respeitar o patrimônio histórico e cultural dos descendentes de Luzia — todos consumidores de cerveja.

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