Jair Bolsonaro usou o poder, a caneta e o Diário Oficial para proteger um amigo, Daniel Silveira, deputado federal pelo PTB do Rio.
Assinou ontem um perdão a Silveira, ex-policial militar, menos de 24 horas depois do Supremo Tribunal Federal condená-lo (por 10 votos a 1) por crimes contra o regime democrático, previstos na Constituição, além de coação durante o processo judicial.
A rigor, Bolsonaro apenas segue o velho método com que escreve sua biografia. Atravessou as últimas três décadas usando privilégios de cargos públicos para dar proteção à parentela e amigos. Inscreveu muitos na folha de pagamentos do Legislativo, no Rio e em Brasília, ajudou e homenageou outros de sua estima, reconhecidos torturadores, corruptos e mafiosos — ou milicianos.
A canetada de ontem é inovadora porque gastou dias na preparação e no cálculo dos efeitos. Todo o esforço de planejamento não foi por eventuais virtudes do condenado, um ex-PM do Rio punido mais de 60 vezes em seis anos de serviço público, antes de ser considerado “inadequado” e dispensado pela própria corporação.
Para Bolsonaro, o amigo sentenciado é útil como peça de campanha eleitoral. Por isso, decretou a extinção da punição imposta pelo STF. Ou seja, indultou o condenado mantendo-o fora da prisão e livre de multas.
Aproveitou a chance e, com o jeito dissimulado de quem planta explosivo na tubulação de água de uma cidade, jogou uma casca de banana no plenário do Supremo.
Está na meia dúzia de palavras com que termina o decreto — “e as penas restritivas de direitos”.
Elas enunciam uma escalada no confronto com o Supremo, e por extensão com o Tribunal Superior Eleitoral, durante a temporada eleitoral.
Bolsonaro, intencionalmente, cruzou a fronteira da autonomia entre os Poderes. Não só indultou o amigo condenado à prisão por crimes contra o regime democrático e coação, como também decretou a manutenção dos seus direitos políticos. Em tese, tornou elegível o deputado condenado.
Indulto não é absolvição, é suspensão de aplicação de pena. Também não é anistia política. Mas, Bolsonaro resolveu pagar para ver os juízes do STF dançando em cima da casca de banana que deixou.
Eles, agora, terão de decidir se o decreto é constitucional na forma, se teve motivação pessoal ou desvio de finalidade no conteúdo, e se o presidente da República pode, em ato inusual, mudar a condição de inelegível estabelecida na lei da Ficha Limpa para políticos sentenciados a penas elevadas como a imposta ao deputado amigo — oito anos e nove meses.
Pode-se entrever dificuldades para o candidato Bolsonaro em explicar ao eleitorado a solidariedade a um político condenado por ameaçar de morte juízes e suas famílias.
Na tática de marketing, porém, isso representa um punhado de moedas perto do cofre recheado de benefícios potenciais para a candidatura à reeleição, derivados da repercussão pública da batalha contra o Supremo e o TSE.
Não importa o calibre da resposta dos juízes, vale mais a alavancagem da candidatura na imprensa e nas redes sociais numa escala que é impagável no borderô de campanha gerenciado por Valdemar Costa Neto, do Partido Liberal, e de custo inacessível aos adversários.
Foi jogada estudada e audaciosa. O êxito só depende da habilidade dos integrantes do Supremo e da Justiça Eleitoral em driblar a casca de banana na fronteira entre os Poderes e enquadrar o ato presidencial na letra da Constituição, impedindo que o candidato consiga lucrar na campanha com a decisão judicial.