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Nova licitação de transporte em São Paulo mantém ônibus poluidores

Especialistas defendem uso de gás natural e de combustíveis renováveis para amenizar má qualidade do ar e altas temperaturas da cidade

Por Mariana Barros Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 31 jul 2020, 00h17 - Publicado em 20 out 2015, 14h49
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  • Ônibus na rua da Consolação, em São Paulo (Caio Palazzo/VEJA)

    Ônibus na rua da Consolação, em São Paulo (Caio Palazzo/VEJA)

    Na semana passada, o prefeito de São Paulo Fernando Haddad (PT) anunciou nova licitação para o sistema de ônibus da cidade. O projeto apresentado traz medidas interessantes, como considerar a opinião do usuário na remuneração das empresas e reestruturar as linhas de acordo com o escopo de atendimento (local, regonal e estrutural). Deixa de fora, porém, os esforços feitos pelas gestões anteriores para mudar o combustível utilizado nos ônibus e assim tentar amenizar a poluição e o aumento das temperaturas locais.

    Em 2010, a prefeitura havia iniciado o programa Ecofrota, atendendo à Lei de Mudanças Climáticas aprovada no ano anterior. Ficou estipulado que a frota de ônibus da cidade deveria gradualmente abandonar os combustíveis fósseis até que, em 2018, usasse exclusivamente combustíveis renováveis. A ideia era adotar biocombustíveis como biodiesel, etanol e diesel de cana-de-açúcar ou mesmo veículos elétricos, como trólebus, célula combustível de hidrogênio, híbrido e bateria.

    Acontece que, a três anos do final do prazo, nenhuma dessas alternativas balanceou de maneira satisfatória custo e tecnologia. O Ecofrota foi paralisado no ano passado e agora parece enterrado de vez pela atual gestão.

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    Além de ignorar a questão dos combustíveis, especialistas criticam na nova licitação a chance perdida de testar e descobrir os potenciais de outras fontes de energia. É o caso do gás natural veicular (GNV), excluído do Ecofrota por ser também um combustível fóssil, mas que é cada vez mais usado em sistemas de ônibus em outros países. “É preciso primeiro definir os critérios que se deseja alcançar e então deixar os ofertantes de tecnologia disputarem o mercado. Determinar os parâmetros de segurança, conforto e ambientais a serem atingidos e ver quais tecnologias podem atendê-los com custos aceitáveis”, afirma o professor Edmilson Moutinho dos Santos, do IEE-USP.

    O  instituto pesquisa combustíveis alternativos para o transporte público de grandes cidades desde 2005. Há linhas de estudo sobre biodiesel, etanol e em GNV — desta última fazem parte Santos e Thiago Luis Felipe Brito, pesquisador de doutorado do IEE-USP. Em conversa com o blog, eles explicam quais os prós e contras do uso do gás natural na frota de ônibus e por que a tentativa de adotá-lo nos anos 1990 não deu certo.

    “A regulação não deve impor ou favorecer um ou outro tipo de fonte energética. À medida em que a legislação ‘estrangula’ a quantidade de poluentes aceitáveis, somente as os veículos e opções energéticas mais limpas conseguiriam se manter”, afirma Brito. E completa: “Não defendemos a adoção do gás natural por 100% da frota, e sim um mix de energias adequado e flexível às diferentes situações econômicas ou políticas que ocorram ao longo do tempo.”

    Leia a seguir os principais trechos da entrevista.

     

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    1) O gás natural é a melhor opção para uso imediato no transporte público de São Paulo ou outrras grandes cidades brasileiras? Por quê?

    Santos: Primeiro precisamos pensar quais seriam os critérios para qualificar um combustível como uma opção viável para as grandes cidades. Em primeiro lugar, há a disponibilidade e a segurança que oferecem. Nesse ponto, o gás natural é vantajoso, pois sua produção no estado aumenta com muita rapidez e já praticamente igualou o consumo doméstico. Em poucos anos, em termos de volume, o Estado de São Paulo será autossuficiente em gás natural. Ou seja, não é por falta de gás, e sim por eventual excesso dele que temos de pensar em promover melhores usos.

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    Outras três dimensões importantes são econômica, tecnológica e ambiental. O ônibus a gás é mais caro que o tradicional a diesel. Mas o gás natural é mais barato do que o diesel. Ou seja, há um custo inicial mais elevado que se recupera no longo prazo. No aspecto tecnológico, há motores bastante avançados. Ou seja, o gás não é uma opção extravagante e em fase de desenvolvimento, como as baseadas no uso de etanol, células combustíveis, elétricos ou híbridos de diferentes tipos. Por fim, há a dimensão ambiental, e o gás natural é uma solução imediata e disponível para combater e reduzir a poluição local.

    Brito: Há também de se considerar o custo das instalações de abastecimento. Uma frota de ônibus não utiliza postos de combustíveis comerciais. As empresas de transporte público possuem suas próprias garagens, onde a recarga é feita diariamente. A aquisição deste equipamento é parte importante dos custos de capital, porque, diferentemente dos combustíveis líquidos, o tempo de abastecimento está relacionado à compressão do gás e à potência dos compressores — quanto mais potentes, mais caros.

     

    Extração de gás natural pelos países (em metros cúbicos por ano). (Fonte: Wikipedia)
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    Extração de gás natural pelos países em metros cúbicos por ano (Fonte: Wikipedia)

    2) Quais as vantagens do gás natural em relação aos combustíveis renováveis?

    No Brasil, a comparação mais sensata é entre gás natural (eventualmente em soluções híbridas com o diesel ou biodiesel) e o biodiesel (em misturas diversas com o diesel). De forma muito simplificada, o biodiesel apresenta ganhos ambientais globais maiores do que aqueles que podemos obter com o gás natural. Por outro lado, o gás natural é mais vantajoso na redução das poluições locais. O mix de ônibus a gás e usos crescentes do biodiesel parecem as melhores escolhas para grandes cidades. Seria possível concentrar o ônibus a gás em grandes corredores, onde a poluição local é mais crítica, e usar o biodiesel nas frotas mais dispersas.

     

    3) O que os críticos do gás natural argumentam contra a sua utilização?

    Santos: Principalmente as dificuldades pragmáticas dos combustíveis gasosos em comparação aos líquidos. E também experiências equivocadas do passado. Há de se reconhecer, porém, a preocupação de que um dia o gás e o petróleo vão acabar. No mundo, mesmo em países onde as forças contrárias aos combustíveis fósseis são mais intensas, e o apoio às opções renováveis é francamente aplaudido (apesar dos maiores custos envolvidos), o gás natural raramente entra no grupo dos vilões. O gás é visto como o melhor dos fósseis e aquele que gera melhores soluções híbridas e complementares com as várias opções de energia renovável. Em todos os segmentos, faltam sinais mais claros do que os formuladores de política pública desejam.  Os agentes privados não farão os movimentos necessários sem um posicionamento muito evidente do poder público.

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    Brito: Do ponto de vista técnico, há críticas sobre o tempo de recarga, já que a administração desse tempo dentro das garagens é fundamental para um bom serviço. Antigamente, alguns compressores levavam horas, o que exigia que um veículo passasse a noite inteira reabastecendo, mas isso já foi superado. É possível encher um cilindro em apenas 15 minutos. Um exemplo notável é a estação de Sachinarro, em Madri, que não é apenas a maior estação de recarga e manutenção de ônibus gás natural, mas também a mais rápida. Lá, um veículo não demora mais do que 5 minutos para abastecer.

    Ônibus movidos a gás abastecem em Madrid (Foto Divulgação)

    Ônibus movidos a gás abastecem em Madri (Foto Divulgação)

     

    4) Em 1991, São Paulo testou o uso de gás natural em alguns ônibus. Por que não deu certo? Os problemas já foram superados? 

    Santos: A cidade fez uma escolha precipitada naquela época ao promover uma determinada tecnologia sem conhecer todas as dimensões, riscos e desafios envolvidos. Não havia infraestrutura que garantisse o acesso ao gás aos operadores de transporte nem um mercado secundário para os ônibus a gás usados. Essas foram duas barreiras importantes que inibiram o sucesso daquelas iniciativas. Atualmente, o acesso é mais amplo, mas a ausência de mercado de segunda mão permanece. Em algumas cidades fora do Brasil, os ônibus a gás operam por cerca de dez anos e são automaticamente sucateados. Não há, assim, demanda por mercados secundários.

    Outro ponto é que, até o início da década de 1990, a indústria de gás não garantia qualidade constante para o gás. Por problemas do produtor, transportador ou distribuidor, o gás chegava ao motor com especificações inadequadas e danificava os motores. Os arranjos contratuais não identificavam claramente as responsabilidades, e os impactos ficavam com os donos dos ônibus. Mas hoje as cláusulas de cumprimento da qualidade são bem detalhadas, e a qualidade, mais estável. Na dimensão tecnológica, havia apenas ônibus Mercedes e com tecnologias menos sofisticadas. Problemas técnicos frequentes  obrigavam os carros a ficarem parados, e eram escassos os mecânicos especializados. De lá para cá, ônibus a gás se tornaram mais atrativos e competitivos.

    Brito: Em geral, pegava-se um ônibus a diesel convencional, adaptava-se o motor e soldava-se o cilindro para armazenagem do gás ao chassi dos veículos. Esse processo torna os chassis mais rígidos se suscetíveis a fraturas. Atualmente, nos locais onde se utiliza ônibus a gás, é impensável a ideia de se converter um ônibus. Os veículos já são fabricados prontos para rodar exclusivamente a gás natural.

     

    5) Que experiência internacional serve de modelo no uso do gás natural? Por quais motivos?

    Santos: Nos Estados Unidos, podemos citar Los Angeles e várias outras grandes cidades. Na Europa, os ônibus a gás estão disponíveis em várias cidades. Na USP analisamos, principalmente, o caso da cidade de Madri, que tem a maior frota de ônibus a gás da Europa como principal estratégia tecnológica adotada.

    Brito: Há especificidades e contextos políticos, econômicos, regulatórios, sociais e, por vezes, até geopolíticos. Por exemplo, a prefeitura de Delhi, na Índia, impôs que toda a frota de ônibus fosse convertida para o gás natural. Mas questões essenciais para a melhoria do transporte – como a redução da quantidade de veículos ou faixas exclusivas – não foram adotadas. Das condições responsáveis pela inclusão do ônibus a gás nas frotas de várias cidades do mundo, observou-se que a questão econômica foi a mais relevante. Ou seja, o gás natural foi adotado porque foi considerado mais barato ou economicamente viável dentre as outras opções energéticas disponíveis.

     

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