‘Agressão institucional’, editorial do Estadão
PUBLICADO NO ESTADÃO DESTA SEXTA-FEIRA A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados acaba de cometer um atentado ao estado de direito no País. Numa sessão esvaziada, a toque de caixa e em votação simbólica, o colegiado decidiu anteontem admitir, ou seja, autorizar a tramitação de uma escandalosa proposta de emenda constitucional […]
PUBLICADO NO ESTADÃO DESTA SEXTA-FEIRA
A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados acaba de cometer um atentado ao estado de direito no País. Numa sessão esvaziada, a toque de caixa e em votação simbólica, o colegiado decidiu anteontem admitir, ou seja, autorizar a tramitação de uma escandalosa proposta de emenda constitucional (PEC), de autoria nominal de um deputado petista do Piauí, Nazareno Fonteles. Ao interferir descaradamente não apenas nos procedimentos do Supremo Tribunal Federal (STF), mas na efetividade de suas decisões, a PEC agride a cláusula pétrea da Carta de 1988 que consagra a separação dos Poderes da República. Lembra a “polaca”, a Constituição fascista de 1937, no Estado Novo do ditador Getúlio Vargas, que dava ao chefe do governo o poder de derrubar atos do Supremo.
Prospere ou não o projeto, a sua mera acolhida pela mais importante comissão permanente do Congresso – onde têm assento, ironicamente, os mensaleiros condenados José Genoino e João Paulo Cunha – envia à sociedade uma mensagem ominosa sobre a propensão ao confronto institucional de uma parcela, ao menos, dos parlamentares brasileiros. A PEC pretende elevar de 6 para 9 ministros, em um total de 11, o quórum para o STF declarar que determinada lei colide com a Constituição. Já as suas súmulas vinculantes (veredictos que devem ser seguidos pelas demais instâncias do Judiciário), assim como as decisões em ações diretas de inconstitucionalidade e ações declaratórias de constitucionalidade, ficariam sujeitas à ratificação pelo Parlamento. Rejeitadas, seriam submetidas à consulta popular.
A tentativa de tutela é claramente uma represália ao que muitos congressistas chamam “ativismo judicial” ou “judicialização da política” – as decisões do Supremo em matérias de alçada parlamentar, como normas eleitorais, fidelidade partidária, ou, mais recentemente, apreciação de vetos presidenciais (conforme decisão do ministro Luiz Fux, eles deveriam ser examinados necessariamente em ordem cronológica). Embora real, o ativismo resulta quase sempre da omissão do Congresso diante de matérias capazes de afetar interesses antagônicos entre os seus membros. De mais a mais, a Justiça só age quando provocada – e não faltam vivandeiras políticas prontas a recorrer ao Supremo para invalidar projetos aprovados aos quais se opuseram.
O espírito de retaliação decerto também esteve presente da CCJ, onde se formou uma vingativa aliança profana contra a Suprema Corte. Ela irmanou, por exemplo, o petista José Genoino – que não via a hora de dar os trâmites por findos para evitar que o aparecimento de outros deputados mudasse a composição e, portanto, a relação de forças no colegiado – e o tucano João Campos, coordenador da Frente Parlamentar Evangélica. O primeiro, como é notório, tem entaladas na garganta as condenações que ele e seus companheiros sofreram no julgamento do mensalão. O outro não há de ter digerido as sentenças do STF em favor do uso de células-tronco embrionárias em pesquisas médicas e da união civil de gays, aprovados pelo Congresso apesar da feroz resistência das bancadas religiosas.
Infelizmente, os políticos não detiveram esta semana a exclusividade em matéria de ingerência indevida em outro Poder. Embora em escala incomparavelmente menor -–por se referir a uma situação singular, por ter sido provocada por um político e por não ter o potencial de ferir o equilíbrio institucional do País –, a liminar concedida pelo ministro Gilmar Mendes sustando a tramitação do projeto que restringe o tempo de TV dos novos partidos e o seu acesso ao Fundo Partidário configura uma intromissão nas atividades do Congresso. O projeto, como se sabe, é um casuísmo vergonhoso que se destina a aplainar o caminho para a reeleição da presidente Dilma Rousseff em primeiro turno. Passou duas vezes na Câmara graças ao rolo compressor da base aliada, tangida pelo governo. No Senado, os governistas queriam votá-lo em regime de urgência. Um deputado do PSB do presidenciável Eduardo Campos – interessado em levar a sucessão ao tira-teima que Dilma parece temer – obteve a decisão provisória, com toda a aparência de represália à represália em curso contra o STF. Vai mal.