Pergunte às flores, porque elas sabem: as abelhas são fundamentais para o equilíbrio do meio ambiente. Polinizadoras obsessivas, elas são responsáveis pela multiplicação de plantas e alimentos essenciais para a sobrevivência do mundo ao nosso redor. Por isso, a ideia de que estejam em perigo soa como tragédia. Há imenso zumbido, especialmente a partir de levantamentos feitos nos Estados Unidos e na Europa, em torno do sumiço da Apis mellifera, a mais conhecida.
Teme-se a extinção da espécie, atalho para danos ecológicos e, claro, falta de mel, o fluido viscoso e doce produzido pelas melíferas. Convém, contudo, saber que há muito exagero acerca da fragilidade desse grupo doméstico, de picada que incomoda, ardida mesmo, mas onipresente em desenhos e livros infantis. O perigo mora ao lado, nos enxames das chamadas abelhas selvagens, menos conhecidas. Elas, sim, um tanto apartadas de trabalhos científicos de controle ambiental, merecem atenção especial, para evitar que desapareçam. Um estudo publicado na revista Nature mostra que, no intervalo de quase sessenta anos, o número de Apis mellifera, também alcunhada de africanizada ou europeia, quase duplicou em todo o planeta: a produção de mel triplicou e a de cera mais do que dobrou. Os autores do artigo basearam-se em dados recolhidos pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO, na sigla em inglês), de 1961 a 2017.
Deve-se, portanto, separar o joio do trigo, evitando alarme desnecessário com um pedaço da fauna ainda controlada, apesar do estardalhaço. Há 20 000 espécies de abelhas anotadas, catalogadas e reconhecíveis. Apenas uma pequena parte produz mel, mas todas, sem exceção, realizam polinização. Embora as abelhas sejam conhecidas por formar colmeias comandadas por rainhas, somente 5% delas têm vida social complexa. As outras, as mais silvestres, são solitárias ou vivem em sociedades rudimentares.
O Brasil tem fauna apícola muito rica, com aproximadamente 2 000 tipos. As sociais são conhecidas como abelhas-nativas-sem-ferrão, das quais foram identificadas 260 espécies — 36% delas ainda não foram descritas. E todas desse time são nativas, como a Melipona capixaba ou uruçu-preto, encontrada no Espírito Santo (veja no quadro). “Destas espécies, 35% estão nas listas estaduais ou federal de animais ameaçados de extinção”, diz Fábia de Mello Pereira, pesquisadora da reputada Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).
A atenção é fundamental. Os animais polinizadores contribuíram para que a agricultura brasileira, em 2018, faturasse um valor estimado em 43 bilhões de reais. No país, 66% dos polinizadores são abelhas, sendo as selvagens mais eficientes que a Apis mellifera. A maior parte das plantas das quais nos alimentamos, ressalte-se, só dá frutos em decorrência desse processo da natureza. Se isso não acontecer, elas não frutificam, atalho para a queda das safras de alimentos. No Brasil, já que as melíferas não estão em todo lugar, é comum que o processo de transferência de grãos de pólen da parte masculina para a parte feminina das plantas — eis a mágica — seja feita pelas abelhas sem ferrão, que exigem cuidado para não desaparecerem do mapa. “As abelhas nativas adoram pólen de café e pólen de laranja, cuja produção recebe contribuição fundamental dos insetos voadores”, diz Leonardo Campana, biólogo e doutorando em genética da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da USP.
Não se pode desdenhar dos riscos que ameaçam a Apis mellifera — elas também pedem cuidado. Mas, reafirme-se, a atenção precisa ser deslocada para as nativas. Um problema comum a todas é o uso exagerado de agrotóxicos, proibidos em vários países. “Aqui no Brasil eles são liberados e usados em larga escala”, diz Campana. Algumas leis indicam o uso mais restrito de pesticidas em áreas próximas às colmeias. Os apicultores também devem se proteger. É zelo fundamental, mas talvez seja pouco para evitar a subtração de bichinhos tão essenciais. É preciso dar uma ferroada nesse problema, sem esquecer as “mais queridas” nem as solitárias.
Publicado em VEJA de 22 de março de 2024, edição nº 2885