Dom Pedro II foi um monarca viajante. O imperador mais longevo do Brasil percorreu grande parte do país e, ao longo de sua vida, realizou três turnês internacionais. Fascinado por viagens, fotografia e tecnologia, ele acompanhava as inovações globais com atenção e rigor. Em suas cadernetas, manteve um registro detalhado de suas andanças, com muitas anotações e desenhos. Esses documentos foram reconhecidos pela Unesco no Programa Memória do Mundo, um feito comparável à honraria concedida ao Cristo Redentor como Patrimônio Cultural da Humanidade, mas voltada para documentos históricos.
Além dos 44 diários que refletem suas opiniões e impressões sobre os locais visitados, Dom Pedro II deixou um legado visual impressionante com mais de 20 mil fotografias. Dentro deste vasto arquivo, porém, um álbum permaneceu oculto por muito tempo, sendo revelado apenas recentemente.
Para marcar o início das celebrações do bicentenário de nascimento do imperador, o Museu Imperial de Petrópolis lançou “Dom Pedro II e Portugal: Memórias, Representações e Sociabilidades”. A publicação, ilustrada principalmente com imagens do acervo do Museu Imperial, apresenta pela primeira vez, na íntegra, um álbum com 26 fotografias oferecido a Dom Pedro II em 1872 pelo fotógrafo Joaquim Coelho da Rocha. A seleção captura vistas, edifícios e monumentos de Lisboa e seus arredores, especialmente ligados à história da dinastia de Bragança. Embora o conjunto possa parecer modesto frente às coleções de pirâmides e paisagens icônicas, ele oferece uma perspectiva única de sua visita à terra de seus antepassados.
Uma Viagem Íntima
Joaquim Coelho da Rocha imortalizou cenários visitados por D. Pedro II e sua comitiva durante a primeira viagem a Portugal. Maurício Vicente Ferreira Jr., diretor do Museu Imperial de Petrópolis e organizador da publicação, descreve esta viagem como um reencontro emocional com seu passado português, diferente da viagem seguinte, onde assumiu um papel mais proeminente como chefe de Estado. “O álbum evoca muitas memórias afetivas e familiares do imperador”, resume.
As fotografias selecionadas por Coelho da Rocha incluem locais como o Palácio das Janelas Verdes, residência da madrasta de Pedro a quem ele tratava carinhosamente por mãe, e o Palácio das Necessidades, onde vivia Fernando II, viúvo de Maria II, rainha de Portugal e irmã de Pedro, a quem o imperador considerava um “mano”, como costumavam se tratar. O álbum também apresenta fotografias únicas, como a mais antiga imagem fotográfica do Palácio de Mafra, residência de D. João VI e do último monarca português, D. Manuel, além de registros do extinto Passeio Público, substituído pela Avenida da Liberdade.
Mais importante, porém, parecem ser as imagens que remetem à memória de seu pai, D. Pedro I, de quem Pedro II se separou aos 5 anos, vistas em fotografias como a Igreja de São Vicente, a Estátua do Imperador, e as vistas do Palácio de Queluz, incluindo uma imagem do leito onde o pai nasceu e morreu. Esta última, é um registro raro deste ambiente íntimo. Atualmente, o Palácio de Queluz desenvolve um projeto de reestruturação da museografia do ambiente, incluindo a reconstrução da cama que foi destruída durante um incêndio ocorrido na década de 1930 e a fotografia é considerada por eles documento fundamental para o projeto. Para Maurício, a sequência de Coelho da Rocha é “um álbum de família sem retratos, e revela a faceta mais íntima dessa viagem”.
Um presente para Portugal
O presente parece ter encantado. O álbum permaneceu no acervo privado da família por anos, sobrevivendo até mesmo aos Leilões do Paço de São Cristóvão após a Proclamação da República. A qualidade do presente conferiu a Joaquim Coelho da Rocha o título de Fotógrafo da Casa Imperial do Brasil, o que fez dele o único português com esta distinção, apesar de outras relações do imperador com fotógrafos mais notórios.
Nos próximos meses, o livro com o álbum deve ser lançado também em Portugal. “As fotos se tornaram mais importantes para eles do que para nós”, diz Maurício. “São registros raríssimos de um país que não existe mais”. O diretor do Museu Imperial lembra que a proximidade do bicentenário compôs o cenário perfeito para trazer à tona essas imagens inéditas e garante que mais novidades devem vir ao longo deste e do próximo ano. “D. Pedro é um personagem sempre surpreendente, há sempre muito dele a descobrir”, declara. O álbum e a primeira viagem do imperador serão o foco de uma palestra na Fundação Maria Luisa e Oscar Americano, em São Paulo, neste sábado, 13.