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Pressão externa

Mais de 600 cientistas assinam uma carta em que pedem à UE que exija do Brasil medidas de apoio aos direitos dos indígenas e à proteção das florestas

Por Jennifer Ann Thomas Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 16h24 - Publicado em 26 abr 2019, 07h00
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  • Considerada, ao lado da inglesa Nature, uma das mais reputadas revistas científicas do mundo, a americana Science abriu espaço em sua mais recente edição para um petardo: o protesto de cientistas de instituições europeias contra posturas do governo de Jair Bolsonaro em relação aos direitos humanos, especialmente dos indígenas, e ao meio ambiente.

    Apresentado em forma de carta aberta e assinado por mais de 600 pesquisadores, dos quais menos de dez são brasileiros, o documento exige que a União Europeia imponha contrapartidas sustentáveis e sociais na hora em que for concretizar negociações comerciais com o Brasil. Ou seja: a pressão humanística e ambiental viria por meio da economia.

    Desde 2000, a UE e os países do Mercosul negociam para avançar em cooperações internacionais e no livre-comércio. Em dezembro do ano passado, as partes tentaram progredir em algumas das pendências para que tudo estivesse perto de uma versão final antes da posse de Bolsonaro. As negociações, no entanto, continuam inconclusas até hoje.

    Diante desse cenário, os cientistas reivindicam agora que o bloco europeu aproveite para incluir nos tratados econômicos condições que assegurem o respeito aos direitos humanos e ao meio ambiente. Na carta, os acadêmicos relacionam números que comprovam a relevância comercial da UE para o Brasil. Em 2017, por exemplo, foram gastos mais de 3 bilhões de euros (cerca de 13 bilhões de reais) em importação de aço. Ao mesmo tempo, o documento destaca o desastroso impacto ambiental e social de acordos passados. Em 2011, para citar um caso, o bloco europeu importou do país carne e ração para gado cuja produção, dizem os cientistas, levou a 1 000 quilômetros quadrados de desmatamento por ano — o equivalente a abrir mais de 300 campos de futebol por dia. Ou seja, os danos ambientais antecedem o governo Bolsonaro.

    Se, porventura, as nações europeias quiserem de fato impor as condições defendidas pelos cientistas, elas terão argumentos de sobra para pressionar o governo brasileiro. Entre janeiro e abril de 2018, as exportações nacionais para os 28 países que fazem parte da UE aumentaram 34,4%. No mesmo ano, o bloco tornou-se o principal investidor direto na economia do Brasil. O país é hoje o terceiro maior destino de capitais provenientes das nações da UE, perdendo apenas para os Estados Unidos e a Suíça.

    Abrolhos
    AMEAÇA – Vista de Abrolhos: o governo quer liberar a exploração de petróleo (Luciano Candisani/Minden/FotoArena/.)
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    Os signatários da carta divulgada na Science foram claros em suas aspirações. No que se refere aos índios, querem assegurar que o país cumpra a Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas, da ONU. Em relação ao ambiente, destacam que é preciso “aprimorar processos para rastrear commodities associadas ao desmatamento (…) para definir critérios sociais e ambientais para negociar”. E mais: “As florestas, os manguezais, o Pantanal e o cerrado do Brasil são cruciais (…) para a estabilidade do clima global”.

    A preocupação com os índios brota em um momento oportuno. No último dia 17, Bolsonaro defendeu nas redes sociais a liberação de atividade mineradora em terras indígenas. O tema está quente. O 15º Acampamento Terra Livre, evento de dois dias aberto em Brasília na quarta 24 com uma série de protestos, adotou o lema “Sangue indígena, nenhuma gota a mais”.

    Do mesmo modo, a gestão do novo governo na área ambiental tem sido conturbada. Na mesma quarta-feira dos protestos indígenas, três diretores do ICMBio pediram exoneração, após a saída de Adalberto Eberhard da presidência do órgão. No começo de abril, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, aprovou que o Ibama liberasse a exploração de petróleo em Abrolhos, a primeira unidade de conservação marinha do país — apesar dos relatórios da instituição contrários à medida. Ouvido por VEJA, Salles foi categórico quanto à carta da Science: “Não somos pautados por artigo de revista nenhuma”.

    Enquanto aumenta a pressão internacional da comunidade científica contra o Brasil, Bolsonaro tem tomado decisões que enfraquecem grupos acadêmicos nacionais. No dia 15, o CNPq anunciou a suspensão de novas bolsas de pesquisa. A medida é reflexo de um decreto publicado em março que trata do contingenciamento de 29,6 bilhões de recursos do órgão. Uma semana antes, o presidente chegou a afirmar que “poucas universidades têm pesquisa” no país. A realidade, porém, é outra: o Brasil está entre as quinze nações com a maior quantidade de estudos publicados.

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    Para a ecóloga escocesa Laura Kehoe, da Universidade de Oxford e a principal autora do documento publicado na Science, o presidente Bolsonaro tem demonstrado pouco apreço aos direitos e tratados de diversas áreas. “Não há necessidade de criar outros acordos”, disse ela a VEJA. “O fundamental é garantir respeito aos já aceitos.”

    Com reportagem de Sabrina Brito

    Publicado em VEJA de 1º de maio de 2019, edição nº 2632

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