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Pesquisa aponta que quase um terço dos brasileiros já trocou de religião

Levantamento indica que essa intensa modificação pode repercutir na disputa política

Por Isabella Alonso Panho Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 3 jun 2024, 16h50 - Publicado em 17 Maio 2024, 06h00
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  • O Brasil é o país que tem o maior porcentual do mundo de habitantes que acreditam em Deus ou em um poder superior que governa o universo (89%), de acordo com o estudo Global Religion 2023, feito em 26 países, mas por aqui a fé tem uma característica bastante singular: aquilo no qual o brasileiro acredita ou a forma como ele exerce essa crença podem facilmente mudar, influenciados por fatores sociais, pessoais, ideológicos e, claro, espirituais. É o que mostra um levantamento pioneiro feito pelo instituto Brasilis, que se debruça sobre o comportamento da fé no país e detecta a ampla fluidez religiosa — embalada em parte pela busca disseminada da conversão de adeptos — e os motivos que levam a uma guinada na vida dos fiéis. O fenômeno ganha importância porque oferece uma nova perspectiva na crescente (e estratégica) disputa política pelo eleitorado religioso.

    A mobilidade brasileira entre igrejas é algo tão grande quanto sua fé. Quase um terço dos pesquisados mudou de religião ao longo da vida, abandonando a vertente que lhe foi apresentada quando era criança. Um quinto dessas mudanças aconteceu de 2019 para cá, ajudando a alavancar o crescimento de evangélicos verificado nos últimos anos, tanto entre as denominações pentecostais (Assembleia de Deus, Universal do Reino de Deus e Renascer em Cristo, entre outras) quanto as não pentecostais (as mais tradicionais, como batista, presbiteriana, anglicana e adventista). Em 1940, eles eram apenas 2,7% da população — passaram a 22,2% em 2020 e a estimativa é que no recenseamento de 2022, cujo detalhamento por religião ainda não foi divulgado, já estejam em torno de 30%. A maioria das projeções aponta que essa vertente caminha para se tornar a religião majoritária no Brasil por volta de 2032, o que significaria que o próprio país está em vias de abandonar sua religião de nascimento. Essa fluidez tem um motivo: metade passou por alguma tentativa de conversão religiosa na vida, sendo 33% só no último ano.

    PREGAÇÃO - Malafaia, em ato pró-Bolsonaro no Rio: proximidade com a direita
    PREGAÇÃO - Malafaia, em ato pró-Bolsonaro no Rio: proximidade com a direita (@silasmalafaia/Instagram)

    Os caminhos que levam à conversão são muitos. A principal causa é a busca pela salvação, apontada como fator decisivo por 54% dos novos evangélicos pentecostais ouvidos pelo Brasilis. Há outros fatores mais terrenos: 43% dos católicos deixaram a fé que professavam por más experiências com o padre e 33% dos evangélicos não pentecostais perceberam que pensam diferente da igreja na qual exerciam sua espiritualidade. Outros motivos são o melhor espírito de convivência na nova casa e o fato de ter sido convidado por amigo ou parente. Temas morais também têm grande influência e passaram a estar mais presentes nos púlpitos.

    É justamente nesse ponto que ocorre uma importante interseção entre a fé e a política. Os temas morais, em especial as pautas conservadoras, aproximam boa parte do eleitorado religioso com discursos mais à direita, o que deu gás à ascensão do bolsonarismo. Segundo a pesquisa, 40% dos fiéis disseram que seu líder falou de aborto e outros 33% dizem que já ouviram sobre união entre pessoas do mesmo sexo. Um quinto já presenciou seu padre ou pastor pedir voto e igual porcentual disse que eles levaram um candidato ao culto — esse número sobe para 30% entre os pentecostais. Como o mesmo indivíduo pode ter ideias conservadoras e progressistas, a estratégia para conquistá-lo depende de fazê-lo decidir com base em uma pauta específica. “A importância da mensagem na comunicação política não é mudar o que você pensa, mas falar sobre o que você pensa”, explica o cientista político Fabrício Fialho, um dos autores da pesquisa. Ou seja, quando um conservador quer angariar votos, não tenta mudar a opinião das pessoas sobre o aborto, mas fazer com que elas decidam o voto com base nisso, e não em outros temas.

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    Para conquistar o grande contingente religioso, cada corrente ideológica usa uma pregação distinta. A direita, ao priorizar temas morais, se aproxima dos líderes evangélicos mais fundamentalistas, que atraem multidões e se transformam em cabos eleitorais valorosos. Exemplo disso é o pastor Silas Malafaia, líder da igreja Assembleia de Deus Vitória em Cristo, um dos principais defensores de Jair Bolsonaro, tanto no púlpito quanto na rua, como nos atos que ajudou a organizar para o ex-presidente na Avenida Paulista e em Copacabana. A esquerda tem feito concessões para atrair o público evangélico — ou ao menos mitigar a rejeição. Em outubro de 2022, na reta final da campanha, Lula divulgou uma “Carta aos Evangélicos”, recheada de versículos bíblicos, colocando na estante de méritos do PT o crescimento das igrejas e a defesa da liberdade religiosa. Agora, tem uma nova palavra, levada pelo advogado-geral da União, o evangélico Jorge Messias, que faz peregrinações por templos e emissoras dessa vertente para lembrar que programas sociais, como o Bolsa Família, são estratégicos para famílias de classes sociais majoritárias no evangelismo.

    Apesar da intenção de acertar, o governo Lula segue criando problemas. Nas últimas semanas, gerou confusão ao regulamentar a ação de religiosos em presídios, um campo privilegiado de expansão das novas religiões. Entre outros pontos, a resolução do Ministério da Justiça proíbe exatamente a conquista de novos fiéis, por batismo ou conversão — ou seja, o preso tem direito à assistência religiosa, mas não pode ser apresentado a uma fé que não tenha. Líderes da poderosa Frente Parlamentar Evangélica bateram às portas do ministro Ricardo Lewandowski — uma reunião estava prevista para a última semana, mas acabou adiada por desencontros de agenda. “O erro está na raiz. A esquerda tem que fazer uma autocrítica”, alerta Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), um dos líderes da bancada, que tem 203 dos 513 deputados federais.

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    DISPUTA - Pregação evangélica em frente à Catedral da Sé: busca da conversão
    DISPUTA - Pregação evangélica em frente à Catedral da Sé: busca da conversão (Reinaldo Canato/UOL/Folhapress/.)

    A dificuldade de diálogo com os evangélicos é histórica para as esquerdas, que sempre estiveram ligadas ao catolicismo. O PT, por exemplo, surgiu impulsionado pelo movimento operário, intelectuais de esquerda e também pelas chamadas Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), núcleos de pregação católica espalhados pelo país que tiveram influência durante a ditadura e cuja pregação mirava mais temas sociais, econômicos e políticos. O jogo virou com a ascensão evangélica, a opção preferencial dessa vertente pela agenda conservadora nos costumes e a sua identificação com a ascensão de Bolsonaro em 2018.

    Os evangélicos são o grupo religioso que tem o maior poder de articulação e engajamento por fatores endógenos à fé. Essa corrente sacramenta o princípio do belonging before believing (“pertencer antes de crer”), opera em um forte senso de comunidade, tem a conversão de novos fiéis como tarefa obrigatória e exige a obediência a um código de conduta, diferente dos católicos, que não exercem um controle tão intenso sobre o que os adeptos fazem fora da igreja. O pesquisador Stanley Bailey, da Universidade da Califórnia, fala em um “empreendedorismo religioso” praticado pelas correntes evangelistas. Enquanto o seminário católico dura oito anos e exige formação em teologia, um curso para se tornar pastor dura em média um ano. “Há a possibilidade de ganhar a vida trabalhando com isso, enquanto os trabalhos formais estão sumindo e não trazem mobilidade social”, diz o docente.

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    ENCOLHIMENTO - Católicos em Aparecida: perda de fiéis nas últimas décadas
    ENCOLHIMENTO - Católicos em Aparecida: perda de fiéis nas últimas décadas (Miguel Schincariol/Getty Images)

    Talvez um dos poucos obstáculos à predominância dos evangélicos seja o crescimento acelerado dos sem-religião, principalmente entre os jovens. “Eles não são necessariamente ateus. Vão à igreja de vez em quando e frequentam cerimônias comuns”, diz Alberto Carlos Almeida, diretor do Brasilis. O grupo, porém, soma apenas 6% dos brasileiros. A maior probabilidade é a de que os evangélicos se tornem, de fato, a maioria no Brasil. “Estão mobilizados politicamente e criam uma comunidade moral mais coesa do que os católicos”, afirma Almeida.

    Se a multiplicação evangélica e a mudança do perfil religioso brasileiro já eram algo determinante para o quadro político, a nova pesquisa mostra que há campo, ao menos em tese, para novos convencimentos e, portanto, para novas reviravoltas. A batalha pelos corações e mentes dos fiéis que se movem ainda está em andamento.

    Publicado em VEJA de 17 de maio de 2024, edição nº 2893

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