Um dos setores econômicos mais atingidos pela pandemia da Covid-19, o turismo brasileiro vê 2023 como o ano do renascimento. Após dois longos períodos de confinamento, restrições sanitárias e prejuízos bilionários, o segmento conquistou um salto de 36% em 2022 e aposta alto para recuperar de vez o tempo perdido. A perspectiva para este ano é de uma elevação de 54% nas idas e vindas de turistas país afora, segundo projeção da Fecomercio-SP. Trata-se de uma ótima expectativa também para a gestão de Luiz Inácio Lula da Silva, em tempos de aperto orçamentário e fiscal e necessidade de obtenção de novas receitas. Uma decisão do próprio governo, no entanto, criou um obstáculo adicional para que estrangeiros de quatro nacionalidades escolham o país na hora de planejar as férias. A partir de 1° de outubro, todos os viajantes oriundos de EUA, Canadá, Japão e Austrália — que representam 10% dos estrangeiros que desembarcaram por aqui no ano passado — precisarão de visto para entrar no país.
A medida tem muito de conotação política e nada de racional. A isenção de vistos para esses quatro países foi concedida pelo então presidente Jair Bolsonaro logo que assumiu o governo, em 2019. Uma das alegações da atual gestão para revogar a medida é a de que o Brasil passará a exercer novamente o direito à reciprocidade — os quatro países exigem vistos para brasileiros e se negaram a iniciar tratativas com o governo Lula. Outro motivo alegado é que a isenção de visto não representou um aumento na vinda de turistas dessas nações: foram cerca de 431 500 no ano passado ante 522 000 em 2018. As duas alegações, porém, não se sustentam. Primeiro, o Brasil precisa mais de receitas do que as quatro ricas nações e, portanto, se apegar à necessidade de reciprocidade é dar um tiro no pé. Segundo: não é possível fazer uma avaliação do impacto da medida em um período tão curto e amplamente afetado pela pandemia, que provocou uma retração mundial nos deslocamentos.
A medida até agora não agradou a ninguém com algum bom senso. O descontentamento é amplo entre os representantes do setor. “Fomos surpreendidos pela decisão, será um retrocesso”, afirma Manoel Linhares, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis (ABIH). A insatisfação é compartilhada pela Confederação Nacional do Turismo (CNTur), que destaca que os vistos prejudicam a competitividade brasileira na realização de eventos internacionais. “Vários países disputam para sediar congressos, e a não exigência de vistos é uma das prioridades para os organizadores”, aponta Wilson Luis Pinto, presidente-executivo da entidade.
Mesmo dentro do governo, há pressão vinda de integrantes do Ministério do Turismo e da Embratur, que veem um grande erro do presidente em um momento de reconstrução da imagem do Brasil no exterior e da retomada do fluxo internacional após a pandemia. A decisão, no entanto, já foi tomada por Lula, anunciada pelo Itamaraty e há pouquíssima chance de recuo. O Ministério das Relações Exteriores tenta aliviar a situação alegando que os viajantes desses países têm direito ao chamado visto eletrônico, cuja concessão pode ser feita em 24 horas e tem um custo menor do que o visto tradicional.
Medidas atenuantes não eliminam o fato de que o governo deveria neste momento facilitar e não atrapalhar a chegada de estrangeiros. Apesar de perder feio na competição internacional (a cidade de Paris atrai mais visitantes que o Brasil inteiro), o setor de turismo vem crescendo por aqui, ainda que a duras penas. Hoje, emprega milhões de pessoas e movimentou no ano passado mais de 200 bilhões de dólares. Por isso, não precisa de mais obstáculos para a retomada após anos duros de prejuízos.
Publicado em VEJA de 22 de março de 2023, edição nº 2833