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Ex-líder do Bope sobre Exército no Rio: ‘essa guerra não é deles’

Rodrigo Pimentel, autor de livro que inspirou ‘Tropa de Elite’, diz que soldados foram deslocados para a Rocinha sem condições de fazer algo diferente da PM

Por Bianca Lemos
28 set 2017, 14h50
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  • Ex-capitão do Bope (Batalhão de Operações Policiais Especiais) e um dos autores do livro Elite da Tropa (2006), que serviu de inspiração para os longas Tropa de Elite 1 e 2, do cineasta José Padilha, Rodrigo Pimentel, 46 anos, trocou o comando do batalhão e os dias de intensas trocas de tiro no Rio de Janeiro por auditórios lotados. Atualmente palestrante, fala em conferências sobre suas experiências pessoais à frente do célebre grupamento da Polícia Militar do Rio, dos conflitos armados entre policiais e traficantes e da atual situação da segurança pública da cidade. Nesta entrevista a VEJA, ele critica o “desmonte e sucateamento” da PM em decorrência das Unidades de Polícia Pacificadoras (UPPs) – cuja implantação completa dez anos -, critica o emprego do Exército no patrulhamento das ruas e discorre sobre a guerra entre grupos rivais pelo controle do tráfico na favela da Rocinha, na zona sul carioca.

    Os moradores da Rocinha vivenciaram o horror nas últimas semanas com a disputa de território entre traficantes. A Rocinha era uma favela pacificada há anos. Houve uma brecha nas ações policiais que deram espaço para a retomada do tráfico?

    Está claro aos policiais do Rio de Janeiro que só polícia não resolve. A questão da Rocinha envolve a Justiça. Dos bandidos identificados pela polícia e envolvidos nesse confronto, muitos já tinham condenações anteriores. O Rogério 157 [um dos traficantes em guerra na favela], por exemplo, participou da invasão ao Hotel Intercontinental em 2010 e ficou dois anos preso. Ele e seu bando fizeram dezenas de reféns e só ficaram na cadeia dois anos. Foram libertos pelo desembargador Siro Darlan. Eu questiono a decisão dele na esfera social, porque, pela visão jurídica, pode ser que esteja certo, mas ele promoveu justiça ou mais mortes? Mais guerra? Mais problemas ao que moram nas comunidades? Os moradores da Rocinha não queriam a liberdade desse Rogério. Enquanto você tiver um Siro Darlan, o Rio vai funcionar assim.

    O Judiciário dificulta a punição a esses criminosos?

    Existe uma geração de juízes denominada juízes garantistas. Eles entendem que as garantias individuais devem ser preservadas a todo o momento e isso, aliado às leis muito brandas, prejudicam [o cumprimento de penas mais severas]. Isso acaba punindo a própria sociedade. A decisão de colocar pessoas como essas [Rogério 157 e outros traficantes] nas ruas é uma má escolha e, no mínimo, irresponsável, não digo corrupta ou criminosa, mas irresponsável.

    O momento escolhido pelos traficantes para começar a guerra foi estratégico?

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    Não tem como desassociar um evento do porte do Rock in Rio com a escolha desses traficantes. Centenas de policiais fizeram a segurança do festival, e as ruas ficaram esvaziadas. A última invasão à favela foi no dia do show dos Rolling Stones, há alguns anos. Essas ações costumam ocorrer em dias de grandes shows, no Carnaval e eventos na praia.

    Esses traficantes atravessaram a cidade, eles tinham certeza absoluta de que não existia policiamento nas ruas. Eles sabiam que boa parte do efetivo estava empenhada no Rock in Rio, fora das ruas. Tudo isso tem a ver com a crise que o estado enfrenta. O governo poderia investir no efetivo nas ruas e em convocar policiais em dias de folga pra reforçar o patrulhamento. Isso provoca um desgoverno, o criminoso percebe que a cidade está fora de controle.

    Esses traficantes [que invadiram a Rocinha] atravessaram a cidade, eles tinham certeza absoluta de que não existia policiamento nas ruas. Eles sabiam que boa parte do efetivo estava empenhada no Rock in Rio, fora das ruas. 

    O Exército atua desde julho no Rio, por ordem do presidente Michel Temer (PMDB). Isso só é feito quando as forças tradicionais estão esgotadas. Você concorda que a PM não tem mais como enfrentar a situação?

    Sim, elas estão esgotadas. A polícia está sem recursos humanos, logísticos, sem viatura, munição e efetivo. São dezenas de situações de confronto na cidade todos os dias e a polícia não consegue apagar todos esses focos de incêndio. Mas as Forças Armadas também são incapazes e pelos mesmos motivos: falta de recursos, de conhecimento da missão e de interesse.

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    Essa guerra não é deles. Se eles participam, deve ser na gestão da operação, mas não dão oportunidade a eles. Se o Exército está aqui, ele deveria assumir o comando da polícia e dizer ‘agora tá comigo, eu sou as Forças Armadas’. Mas não funciona assim, eles fazem um decreto esquisito de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) que deixa dúvidas sobre quem manda e quem não manda. Quem tá no comando? o Exército ou o estado? Porque o Exército é uma força federal, se ele vem pra cá, tem que comandar. Se ele tá no comando, por que o secretário de Segurança Pública, Roberto Sá, continua dando pitaco? Por que não passa o comando para o Exército? O Exército veio para cá sem condições de realizar ações de caráter diferente das executadas pela polícia, sem nenhuma vantagem, nenhum recurso a mais. Vieram para ter mais homens nas ruas e desgastar a imagem.

    A polícia está sem recursos humanos, logísticos, sem viatura, munição e efetivo. São dezenas de situações de confronto na cidade todos os dias, e a polícia não consegue apagar todos esses focos de incêndio. Mas as Forças Armadas também são incapazes e pelos mesmos motivos: falta de recursos, de conhecimento da missão e de interesse.

    Há um desentendimento entre o Ministério da Defesa e a Secretaria de Segurança Pública no planejamento das ações policiais?

    Há uma crise, a secretaria quer que o Exército faça o policiamento ostensivo em áreas determinadas pela pasta, o que foge totalmente à ideia de colocar as Forças Armadas como no decreto de GLO. O Ministério da Defesa acusa a secretaria de não ter um planejamento para as ações coordenadas.

    Falta autonomia ao Exército?

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    Exatamente. Fui à favela da Maré em 2015, o Exército estava comandando a ocupação. Os traficantes pagavam 50 reais para crianças de 14 anos acompanharem equipes do Exército e jogar pedra nos militares. O que o Comando Vermelho queria? Que um soldado perdesse a cabeça e atirasse em um garoto. Quando eu perguntei por que não prendiam o menino, eles respondiam que não podiam prender menor, só se praticassem atos infracionais previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente. Caramba, você colocou o Exército na Maré de mãos amarradas, exatamente como você coloca a polícia. Para colocar a maior força que o Brasil tem de mãos amarradas, é melhor não pôr, vai desmoralizar o Exército.

    Então não faz diferença? Eles fazem o mesmo trabalho que a PM?

    Não faz diferença nenhuma, eles trabalham com as mesmas condições de estresse, dificuldades que as forças convencionais. Ainda não ocorreu no Rio de Janeiro um pacto que envolvesse a sociedade, mídia e políticos e que falasse ‘basta, dessa vez não dá mais’. Até o morador, se for para ser a última vez, vai apoiar as ações policiais porque vão finalmente prender esses criminosos e o morador não vai mais precisar se sujeitar a essa humilhação, esse escárnio que é ser vizinho de bandido. O morador é conservador e quer uma solução rápida para o problema, ele não gosta de conviver com o tráfico. Eles odeiam bandidos, o maior medo dos moradores é que seus filhos virem bandidos também.

    O morador é conservador e quer uma solução rápida para o problema, ele não gosta de conviver com o tráfico. Eles odeiam bandidos, o maior medo dos moradores é que seus filhos virem bandidos também.

    Em razão da crise moral, envolvendo a prisão de autoridades do Rio, como o ex-governador Sérgio Cabral (PMDB), e a deterioração da segurança pública, as decisões políticas sobre segurança são afetadas?

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    A prisão do Pezão [Luiz Fernando Pezão, governador do Rio de Janeiro] e de secretários ligados a eles não é uma profecia, mas é uma possibilidade bastante razoável. Isso gera um vácuo de poder que afeta todas as decisões do estado.

    As UPPs completam uma década este ano. Uma pesquisa recente, do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (Cesec), mostra que os moradores de favelas com essas unidades permanecem indiferentes ao programa. Isso demonstra a ineficácia das ações policiais nos morros cariocas?

    Sim, sem dúvida. A maioria das mortes de policiais em serviço no Rio de Janeiro foi nas UPPs, em favelas pacificadas. Boa parte das balas perdidas ocorre em favelas pacificadas. Acho que isso é uma prova matemática de que a iniciativa foi malsucedida.

    Há dez anos, quando as unidades foram implantadas, o senhor foi um dos apoiadores. Se arrepende agora?

    Eu fui um dos maiores, se não o maior entusiasta das UPPS no Rio de Janeiro. Eu me arrependo de não ter tido uma visão mais crítica quando eu tive espaço para falar. Eu falava em jornais diários, no Bom Dia Brasil e no RJTV [telejornais da TV Globo, onde era comentarista de segurança pública]. Eu me arrependo de não ter feito uma pergunta lá no início do projeto: ‘poxa, será que a solução para o Rio de Janeiro é somente a UPP?’. Com certeza não era. Quando comecei a ter uma visão crítica, elas já estavam em um caminho muito ruim. De forma geral, todo mundo aplaudia o tempo todo. Realmente apostamos no projeto, o carioca foi iludido achando que aquilo era a solução para o problema.

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    A maioria das mortes de policiais em serviço no Rio de Janeiro foi nas UPPs, em favelas pacificadas. Boa parte das balas perdidas ocorre em favelas pacificadas. Acho que isso é uma prova matemática de que a iniciativa foi malsucedida.

    O efetivo policial aplicado nos morros prejudicou o patrulhamento da cidade?

    Sim, claro. Em razão da criação das UPPs, nove mil policiais militares contratados nos últimos oito anos foram colocados nas áreas de pacificação. Os batalhões nos bairros violentos, na baixada do subúrbio, na Leopoldina, foram esvaziados. Isso retirou os policiais das ruas do Rio e os alocou em favelas. A gente não sabia que os batalhões estavam sendo desmontados, que todo o efetivo estava sendo aplicado nas UPPs, não sabíamos a que custo essas unidades estavam sendo montadas. Depois descobrimos: estavam sendo estruturadas desmontando a polícia do Rio de Janeiro.

    Por que isso foi feito? As UPPs não se sustentavam?

    Não, elas nunca foram sustentáveis. A prova disso é que as UPPs eram um projeto político, visava a eleição do Pezão, do Cabral. A informação que temos hoje, dos coronéis que estão na polícia, é que o Pezão insistia para abrir mais uma unidade na Maré. ‘Vamos colocar mais uma UPP’, dizia. Como? Com qual efetivo? Mesmo assim, ele foi para a televisão, prometeu mais uma UPP na Maré e disse que em 2015 ela estaria pronta. Mas, desde a instalação da UPP da Vila Kennedy, a última, a cúpula da PM, contrariando o então secretário José Mariano Beltrame e o governo do Pezão, entendeu que não tinha mais fôlego para abrir outra unidade.

    Por que não?

    Porque se mais uma UPP fosse criada, a polícia ficaria cada vez mais sucateada. O problema do Rio de Janeiro hoje, de você andar e não ter mais policiamento, está totalmente ligado ao crescimento desordenado das UPPs.

    Qual seria a alternativa para não desfalcar a PM e manter o reforço policial nas favelas pacificadas?

    Olha, não existe essa possibilidade, o cobertor é curto demais, não dá pra manter a UPP e reforçar os bairros. A polícia poderia acabar com alguns batalhões, pegar o efetivo e colocar nas ruas, poderia aproveitar esse momento e praticar uma grande engenharia, utilizando seus meios, acabando com unidades, colocando mais gente nos bairros, mas não fazem isso.

    Poderiam, por exemplo, recuperar os 2.900 policiais que trabalham em órgãos como Tribunal de Justiça, Assembleia Legislativa e prefeitura. Se a PM recuperasse esses homens, teríamos da noite para o dia mais 2.900 policiais nas ruas. Só o líder do PMDB no Rio de Janeiro, deputado Paulo Melo, tinha 29 policiais trabalhando no gabinete dele. Isso só o líder do partido. Não é possível que precisem de 29 policiais em um gabinete.

    A geografia das favelas dificulta o deslocamento dos militares nesses locais? O que poderia ser feito para otimizar a circulação da polícia?

    Quando o tráfico percebe que nas vielas e becos mais impenetráveis não tem policiamento diário, volta timidamente à favela. Depois de um tempo, Beltrame disse publicamente que só as UPPs não eram suficientes, que deveria reurbanizar esses locais, os becos deveriam ser retirados e avenidas construídas dentro das favelas para que a polícia pudesse circular com facilidade.

    Todas as favelas deveriam ser urbanizadas?

    Quando me perguntam se mil homens na Rocinha é o suficiente, eu respondo que não. Mil homens é o suficiente para Copacabana, Ipanema, Moema. Rocinha não. Porque lá, são dezenas e dezenas quilômetros de becos e vielas. Mil, 5 mil ou 10 mil homens não dão conta da favela toda. A solução é a urbanização. No primeiro momento, pela nossa arrogância e desconhecimento, abraçamos as UPPs com um entusiasmo tão grande que acreditávamos que a solução era encher a favela de policial. Hoje, eu vejo humildemente o Beltrame corrigir esse discurso, ele diz: ‘olha, tem que urbanizar a favela’. As ações federais e municipais deveriam ir a reboque das UPPs, mas não foram.

    Se houvesse uma redistribuição de militares, o panorama geral da segurança pública do Rio poderia melhorar?

    Sim. Qualquer solução pra segurança pública do Rio de Janeiro hoje passa pelo fim das UPPs. Aplicando esses policiais nas áreas de mancha criminal, onde cargas estão sendo roubadas, onde as pessoas estão sendo assaltadas, o pânico na cidade diminuiria de imediato.

    Além da venda de drogas, como as facções sobrevivem?

    Eu entendo que o tráfico do Rio de Janeiro, as facções, estão sobrevivendo de roubo de carga. Algumas facções, como o Comando Vermelho, Terceiro Comando, ADA [Amigos dos Amigos], deixaram de vender cocaína para roubar carga, que é mais rentável. Se roubar carga é mais rentável, eu consigo enfrentar esses criminosos no asfalto, não na favela. Quase todos os roubos de carga ocorrem em um raio de 6 km entre a via Dutra, a rodovia Washington Luis e a Avenida Brasil. O máximo de policiamento deve ser aplicado para combater esses roubos. Aliado a isso, uma legislação que permita a polícia apreender o receptador, porque pela nossa legislação, ele responde em liberdade. É quase autorizado roubar cargas no Brasil.

     

    Outro lado

    O desembargador Siro Darlan de Oliveira, citado por Rodrigo Pimentel, afirmou, em nota, que a soltura dos envolvidos na disputa de território do tráfico na Favela da Rocinha e da invasão ao Hotel Intercontinental, foi baseada no “excesso de prazo motivado pelas diversas audiências de instruções remarcadas e por falta de apresentação dos policiais testemunhas dos fatos e/ou apresentação dos presos”.

    O magistrado disse ainda que a lei foi cumprida e que não se pode atribuir à Justiça “a responsabilidade por uma guerra que dura mais de 40 anos, diante de uma segurança pública completamente falida e sem qualquer resultado eficaz”.

    A assessoria de comunicação do governador do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão (PMDB), afirmou que ele não iria comentar as declarações feitas por Pimentel.

    A comunicação da Polícia Militar do Rio de Janeiro e das UPPs foram procuradas, mas não responderam aos pedidos de VEJA para comentar desmonte dos batalhões da PM no estado citado por Pimentel.

    Em nota, o deputado estadual Paulo Melo (PMDB) afirmou que nunca teve 29 policiais em seu gabinete e que o número, resultado de um levantamento feito por um veículo de comunicação, na verdade “é referente ao quantitativo requisitado à Secretaria de Segurança pra a Coordenadoria Militar da Alerj”.

    Segundo o deputado, dez agentes estão alocados em seu gabinete e trabalham em uma escala de 12 por 48 horas. O parlamentar destaca ainda que recebeu ameaças de morte e foi vítima de atentados.

    “As razões para o pedido de segurança baseia-se nas ameaças de morte, que começaram após participar de três CPIs – duas delas como presidente – e que resultaram na denúncia de grupos de extermínio, milícias e de desvio de verbas públicas. Lembro, ainda, que já fui vítima de dois atentados, o último em 2014, amplamente divulgado pela mídia, e que dilacerou parte do meu corpo”, conclui.

    O peemedebista reforça que a escolta é usada também por juízes e promotores e que a requisição de policiais passa pela análise da Secretaria de Segurança, que considera a gravidade das ameaças.

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