O governo federal jogou com a sorte ao fazer uma gestão desastrada da pandemia, não realizar reformas necessárias e menosprezar os riscos de um novo apagão energético. Como resultado dessas e de outras trapalhadas (incluindo-se aí as turbulências geradas pelo comportamento errático de Jair Bolsonaro), as projeções de crescimento para o PIB vão encolhendo. Diante de um cenário que ameaça enterrar os sonhos da reeleição do presidente, buscam-se hoje em Brasília desesperadamente ações capazes de ajudar a reverter o quadro. A aposta que ganhou força nas últimas semanas foi a de tirar da gaveta o projeto de liberação de jogos. Embora conte com a simpatia do próprio Bolsonaro, a ideia nunca saiu do papel devido às resistências dos parlamentares evangélicos. Agora, diante do agravamento da crise econômica, acredita-se ser possível finalmente vencer a oposição com a promessa de que o negócio pode trazer a curto prazo novos investimentos e receitas a partir da tributação das apostas.
Quem decidiu colocar essas cartas na mesa agora foi o Centrão. Principal base aliada do governo hoje, o grupo tem um peso enorme nas decisões no Congresso e não costuma brincar quando entra no jogo. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), criou um grupo de trabalho no último dia 9 para atualizar um texto que, desde 2016, aguarda votação. Formada por dez deputados pró-jogatina, a equipe conta com o apoio de ministros e do filho mais velho do presidente, o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ). Em setembro de 2020, o Zero Um se declarou entusiasta dos cassinos: “O que nós ouvimos em Las Vegas é que há um grande interesse de que esses grandes players do turismo invistam pesado nessa área, em especial em estados como Rio de Janeiro, São Paulo e Amazonas”.
Parlamentares favoráveis à liberação têm outros aliados de peso. O ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira (PP-PI), por exemplo, é autor de um projeto no Senado similar ao que está na Câmara. As equipes dos ministros da Economia, Paulo Guedes, e do Turismo, Gilson Machado, também têm feito lobby a favor. Embora a bancada evangélica seja historicamente contrária à ideia, o grupo de trabalho coordenado pelo deputado Bacelar (Podemos-BA) tem mantido diálogo com os religiosos e acredita que muitos já mudaram de opinião. Ele cita o exemplo do ex-prefeito do Rio Marcelo Crivella, pastor licenciado da Universal que era favorável à liberação dos jogos para ajudar as contas do município. “Hoje, só uma minoria continua criticando”, acredita Bacelar.
O objetivo é votar o projeto até o fim deste ano. De autoria do deputado Guilherme Mussi (PP-SP), o texto, que substitui o original de 1991, estipula que a União seja responsável pela concessão e fiscalização dos cassinos. Os estados cuidariam do jogo do bicho, e os municípios, por sua vez, ficariam com os bingos. A atualização do texto em discussão deve incluir a previsão de destinação dos impostos arrecadados com a jogatina — uma cifra anual estimada em 20,4 bilhões de reais. Uma possibilidade, segundo Bacelar, é que boa parte vá para a promoção do turismo. “Um país em que a inflação voltou, em que a miséria aumentou, pode se dar ao luxo de abrir mão de 20 bilhões?”, diz.
Para tirar o projeto do papel, uma das principais polêmicas que o grupo enfrentará se refere ao modelo de implantação dos cassinos. O texto atual prevê que eles somente poderão existir integrados a resorts. Isso agrada aos grandes investidores estrangeiros, que poderão monopolizar o mercado. Mas empresários e lobistas brasileiros já pressionam para incluir no pacote os cassinos turísticos, que possam operar independentemente de resorts, funcionando como geradores de demanda para os hotéis já estabelecidos. Detalhes à parte, a iniciativa em curso tem o mérito de acabar com uma das maiores hipocrisias nacionais. A proibição nunca impediu a proliferação de apostas de todos os tipos e a instalação de milhares de máquinas caça-níqueis por aqui. Países como Portugal são exemplos de como a legalização desse mercado ajuda a gerar receitas, criar empregos e fomentar o turismo. Basta colocar as cartas na mesa.
Publicado em VEJA de 29 de setembro de 2021, edição nº 2757