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Drama em Maceió expõe oportunismo político e ruídos entre autoridades

Enquanto os poderosos batem boca, os moradores das áreas atingidas pelo afundamento têm se virado sem a ajuda do poder público

Por José Benedito da Silva, Isabella Alonso Panho Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO , Paula Felix Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 8 dez 2023, 10h33 - Publicado em 8 dez 2023, 06h00
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  • Era madrugada do último dia 30 quando moradores do bairro Bom Parto, em Maceió, foram acordados por agentes públicos com uma ordem judicial em mãos para que abandonassem imediatamente as suas casas. Boa parte deles teve minutos para deixar o local onde viviam havia décadas e muitos fizeram isso sem levar seus pertences. O motivo era grave: o solo cedia rapidamente e havia o risco iminente de colapso de uma mina de sal-gema que era explorada pela petroquímica Braskem, o que poderia abrir uma cratera de até 300 metros de diâmetro. A urgência, no entanto, era evitável. Os alertas já circulavam desde os anos 1980. Primeiro, entre acadêmicos. Depois, de forma assustadora, na vida real: em 2018, a terra tremeu na região, dando início a um processo que já resultou na desocupação de quase 20 000 imóveis e na realocação de 55 000 pessoas (veja o quadro). Quando o problema se agravou, veio a correria do poder público, que expôs então outra face da tragédia: a divisão da elite política do estado, que resultou em falta de coordenação, trocas públicas de acusações e tentativas de exploração eleitoral do drama.

    A bateção de cabeça entre as autoridades aumentou à medida que o solo afundava — na última semana, foram quase 2 metros no bairro Mutange. Na região, fica a mina 18, um dos 35 poços de onde a Braskem extraía sal-­gema, mineral utilizado na produção de PVC, cloro e soda cáustica. Há o temor de que a estrutura desabe e provoque, além da cratera, danos ambientais gravíssimos — 60% de sua estrutura está dentro da Lagoa Mundaú. Além de importante manancial, ela é fonte de renda para 6 000 pescadores e marisqueiros.

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    DESOLAÇÃO - Rua abandonada na cidade: moradores saíram às pressas (Universidade Federal de Alagoas/.)

    O primeiro sinal de alerta do desastre ocorreu quando o Pinheiro, primeiro bairro atingido, foi abalado por um misterioso tremor de terra em 2018, que chegou a ser chamado de “fenômeno geológico”. Apenas no ano seguinte, com o aprofundamento das investigações, veio a resposta: as rachaduras eram efeito das minas da Braskem, que atua ali desde 1976. “Há uma situação de falha sistemática no licenciamento ambiental desde os anos 1970, falta de transparência e de previsão de riscos”, aponta o pesquisador Diego Rodrigues, do Centro Universitário de Maceió (Unima).

    O novo patamar do problema expôs o racha político local. Há duas alas disputando poder no estado: uma liderada pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL); outra pelo senador Renan Calheiros (MDB-AL) e pelo ministro e ex-governador Renan Filho. E os dois grupos têm agido como água e óleo na crise. O prefeito de Maceió, João Henrique Caldas (PL), aliado de Lira, e o governador Paulo Dantas (MDB), aliado dos Renans, não se sentaram uma única vez para discutir a questão e cada um montou o seu gabinete de crise.

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    Um dos pontos mais explorados é o acordo firmado pelo prefeito com a Braskem. Em julho deste ano, JHC, como é conhecido, aceitou uma indenização de 1,7 bilhão de reais ao município, mas em troca concedeu uma espécie de quitação pelos danos e ainda deu à companhia o direito de ficar com a área desocupada. “Eu sou capaz de propor um trégua humanitária a nomes como Arthur Lira e João Caldas para que eles revoguem esse acordo”, disse Renan Calheiros. O prefeito, obviamente, defende o acerto: “É urgente desarmar os palanques e nos unirmos por Maceió. O momento requer responsabilidade e trabalho”.

    O duelo entre dois pesos-pesados do Congresso arrastou, claro, o governo Lula. No início da semana, com o petista em viagem ao exterior, Lira e Renan cobraram o envolvimento da gestão federal. O presidente em exercício, Geraldo Alckmin, despachou uma legião de ministros a Alagoas. Mesmo na hora de pedir ajuda federal, no entanto, cada lado tem os seus interesses. Paulo Dantas pediu que a Advocacia-Geral da União (AGU) entrasse com ação na Justiça para anular o acordo entre prefeitura e Braskem. Já Renan quer federalizar a questão levando-a para a arena em que atua melhor: o Senado, onde tenta abrir a CPI da Braskem. O pedido espera a indicação de nomes pelos partidos.

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    PRESSÃO - Arthur Lira, com o prefeito de Maceió, João Henrique Caldas: o presidente da Câmara pediu empenho do governo Lula (Itawi Albuquerque/Secom Maceió/.)

    O bate-boca inclui até tentar imputar ao outro lado a responsabilidade sobre a atuação da Braskem. O prefeito decidiu questionar a Agência Nacional de Mineração (ANM) e pediu ao órgão federal “acesso irrestrito a todas as licenças de lavra de exploração concedidas à Braskem desde 2019”. O Instituto do Meio Ambiente de Alagoas (IMA), ligado ao governo do estado, ironizou. “Muito surpreende que o prefeito JHC tenha feito um acordo de 1,7 bilhão de reais e dado quitação ambiental à Braskem e, só agora (com três anos de atraso), venha solicitar informações que são de conhecimento público”, postou. O senador Rodrigo Cunha (Podemos-­AL), ligado a JHC e Lira, acusou Renan Filho de ter renovado a licença em 2019, quando já se sabia dos riscos. Renan Filho, por sua vez, postou um vídeo nas redes para dizer que fez o contrário: foi o primeiro governador a negar a licença à petroquímica, que está proibida de minerar desde 2019. “Quem não trabalha é obrigado a recorrer à mentira”, afirmou.

    Enquanto autoridades batem boca, os moradores das áreas atingidas têm se virado sem a ajuda do poder público. A grande maioria recusou os abrigos da prefeitura — menos de duas dezenas de pessoas estão nessa situação — e optou por buscar novos endereços com a indenização paga pela Braskem, de no mínimo 80 000 reais. Levantamento feito pela Defensoria Pública da União aponta que os valores desembolsados pela companhia aos desabrigados chegaram a 3,85 bilhões de reais. “O acordo é histórico, porque garantiu a desocupação de quase 60 000 pessoas com dignidade de uma área de risco” afirma o defensor público Daniel Alves.

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    AGENDAS - Paulo Dantas com Renan e Renan Filho: sem encontro com o prefeito
    AGENDAS - Paulo Dantas com Renan e Renan Filho: sem encontro com o prefeito (Fabio Pozzebom/Agência Brasil)

    O cerco sobre a Braskem custou muitas cifras à companhia, mas nenhuma condenação definitiva. As várias ações civis públicas levaram, até agora, a cinco acordos. No total, a empresa diz ter gasto 12 bilhões de reais. Para a procuradora Roberta Bomfim, esses acordos economizam tempo de processo. “Quem vai a juízo vai apenas para definir o valor do seu dano, e não discutir se a Braskem é ou não culpada”, afirma. A responsabilização criminal da Braskem, seus diretores e técnicos ainda é um horizonte distante. A Polícia Federal abriu um inquérito em 2019, que tramita em sigilo e não tem por ora nenhuma conclusão. A Braskem nega ter cometido qualquer irregularidade na operação e diz que sempre teve todas as autorizações ambientais necessárias. Afirma que muitas exigências feitas hoje pela legislação, em especial sobre monitoramento do solo, não eram tão específicas em outros tempos por falta de tecnologia e que a empresa sempre lançou mão do que havia de mais moderno em cada etapa do processo, além de contratar especialistas, inclusive internacionais, para orientar e executar trabalhos complexos.

    O desastre a céu aberto em Maceió vai perdurar por muito tempo, principalmente para quem teve de abandonar tudo às pressas. “Vendi todas as minhas coisas e comprei minha casa em 2011 para morrer nela”, desabafa a aposentada Sônia Farias, 64 anos, que foi realocada para um hotel. Ela e muitos outros moradores desconheciam que a Braskem operava minas no subsolo. “A gente não sabia que vivia sobre uma bomba-­relógio”, conta Sônia. Outro efeito prolongado será sobre a Braskem, que levará algum tempo para fechar com segurança as minas. Até a última quinta, 7, o solo ainda não havia colapsado — mas o abismo moral dos políticos já estava exposto em meio ao terreno arrasado.

    Publicado em VEJA de 8 de dezembro de 2023, edição nº 2871

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