Na medida em que se aproxima a data de aposentadoria compulsória da ministra Rosa Weber, que completa a idade-limite de 75 anos no dia 2 de outubro, crescem as articulações de bastidores para influenciar a indicação do substituto pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A movimentação, a maior dos últimos tempos em torno de uma vaga na Suprema Corte, envolve entidades da sociedade civil, políticos e celebridades, e acompanhou o petista até na sua viagem a Nova York, quando liderou uma comitiva de sete ministros e 24 parlamentares para a Assembleia Geral da ONU. Embora Lula não emita nenhum tipo de sinal em relação a quem poderá ser o seu escolhido, a avaliação nos bastidores é que o presidente tem basicamente duas alternativas: uma, que significaria um aceno mais amplo, de maior alcance político; e outra, que agradaria ao núcleo mais próximo de apoiadores, em especial os ligados ao PT.
Quem esteve mais próximo de Lula na última semana foi o ministro Bruno Dantas, presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), que acompanhou o presidente aos Estados Unidos. Em Nova York, no domingo 17, Dantas sentou-se na mesma mesa que Lula durante um jantar promovido pela Fiesp em Nova York — com eles estavam, entre outros, os presidentes da Câmara, Arthur Lira, e do Senado, Rodrigo Pacheco. A viagem serviu para o chefe do TCU consolidar o seu principal trunfo: o vasto apoio político que possui junto a importantes nomes em Brasília. Além dos chefes do Congresso, ele tem o aval de figuras importantes do Senado, onde trabalhou por doze anos, como os ex-presidentes Renan Calheiros e Davi Alcolumbre e até líderes do governo, como o senador Jaques Wagner, baiano como ele. Dantas também tem o aval de ministros do Supremo, como o decano Gilmar Mendes. Uma medida de seu prestígio no meio político e jurídico foi o lançamento de seu livro, Consensualismo na Administração Pública e Regulação, no fim de agosto, que reuniu ministros do governo Lula e do STF, deputados e 39 senadores — só dois a menos do que ele precisaria para aprovar a sua indicação. Quem o apoia diz que seu nome alia conhecimento técnico (tem pós-doutorado em direito) e capacidade de articulação política. É visto como garantista e possui visão liberal nos costumes. À frente do TCU, tomou medidas que atingiram diretamente a Operação Lava-Jato, o que agrada a Lula.
Enquanto Dantas articulava nos EUA, a esquerda se movimentava no Brasil. Tido há pouco tempo como um dos favoritos à vaga, o advogado-geral da União, Jorge Messias, foi uma das estrelas em evento em São Paulo na sexta-feira 15, que reuniu figurões do partido, como o ministro Fernando Haddad, o ex-ministro José Dirceu, o presidente da Fundação Perseu Abramo, Paulo Okamotto, e o líder dos sem-terra, João Pedro Stédile. O evento, organizado pelo grupo de advogados Prerrogativas e pelo MST, serviu para promover o nome de Messias, condecorado, junto com o professor Celso Bandeira de Mello, por sua atuação em defesa da democracia. Além de nome de confiança de Lula e do PT, onde sempre militou, Messias é diácono evangélico e tem sido a principal ponte de ligação do governo com parlamentares e líderes dessa vertente religiosa. À frente da AGU, tomou decisões para apurar atos antidemocráticos, a atuação da Lava-Jato e a divulgação de fake news contra Lula.
Nos últimos dias, no entanto, Messias deixou de ser a principal aposta na esquerda. O nome que mais cresceu foi o do ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino. Juiz federal, governador do Maranhão de 2015 a 2022 e senador eleito, ele tem conhecimento técnico e alguma articulação política. Desde o início do governo, o ministro tem atraído holofotes ao bater de frente com apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro e articuladores de atos antidemocráticos. Isso, evidentemente, pode ser um problema. A base bolsonarista no Senado tem 32 representantes, o que pode complicar a sua aprovação na sabatina da Casa.
Dino é também ativo nas redes sociais, área onde críticos ao governo e à atuação do Supremo têm força. A sua indicação não tem a oposição do PT, que já pensa em uma reorientação de sua estratégia visando a ocupar o Ministério da Justiça. O PSB, partido ao qual o ministro é filiado, deseja manter o cargo, e argumenta que já perdeu espaço com a transferência de Márcio França do Ministério dos Portos e Aeroportos para o de Micro e Pequenas Empresas. A legenda tem como opções o secretário-executivo Ricardo Cappelli, o número 2 de Dino na pasta, e o secretário nacional de Justiça, Augusto de Arruda Botelho, ligado ao Prerrogativas. O PT, no entanto, diz que a indicação de Dino foi na cota pessoal de Lula, e não do partido. Se a opção do partido para o ministério for Jorge Messias, abriria espaço na AGU para o advogado Marco Aurélio de Carvalho, um dos líderes do Prerrogativas e próximo a Lula. Outra opção seria, com a saída de Dino, dividir o ministério em duas pastas — Justiça e Segurança Pública —, o que ampliaria a capacidade para acomodar aliados.
Uma possibilidade que ainda não foi descartada, mas perdeu força nos últimos dias, é a de indicar uma mulher — de preferência, negra — para a vaga de Rosa Weber. O assunto, que vem mobilizando as redes sociais, acompanhou Lula em Nova York. A Coalizão Negra por Direitos e o Instituto de Defesa da População Negra (IDPN) exibiram um vídeo na Times Square, tradicional cartão-postal no coração de Manhattan, durante a estadia do petista, no qual uma atriz mirim negra diz “eu tenho um sonho” — referência ao célebre discurso do líder negro americano Martin Luther King. “Quando eu crescer, eu quero ser ministra do STF!”, completa. A campanha ainda produziu um vídeo narrado pela atriz Taís Araujo, no qual é descrito um diálogo entre mãe e filha, que discutem a atuação de mulheres negras proeminentes em diversas profissões e a contradição da representatividade baixa desse segmento no Judiciário. Também foram distribuídos cartazes em várias capitais brasileiras.
Quem vai decidir, no entanto, faz quase nenhum barulho em relação à nomeação. Lula tem falado pouco sobre o perfil de sua preferência, inclusive com seus interlocutores mais próximos, e tem escutado muito todas as ponderações de aliados e representantes de diversos grupos de interesse. A indicação é de que ele quer alguém com afinidade de pensamento e que tenha articulação com o meio político. Esses pontos são preenchidos por Dantas, Messias e Dino, embora o primeiro atinja um espectro além da esquerda. Messias seria um agrado ao PT depois que muitos membros do partido puseram em dúvida o progressismo de Cristiano Zanin, cuja indicação atribuem à cota pessoal de Lula. Já Dino seria uma tentativa de agradar a grupos de direitos humanos que se mobilizam por uma mulher negra e talvez ficassem menos frustrados com a indicação do ministro. A articulação da sociedade civil é vista como positiva pelo professor da FGV Direito Rio Álvaro Palma de Jorge, autor do livro Supremo Interesse — A Evolução do Processo de Escolha dos Ministros do STF. “Qualquer que seja a indicação, Lula deve escolher alguém que compartilha de sua visão de mundo e do que pretende deixar de legado”, diz.
Lula também pode empurrar a questão um pouco mais para a frente. Há forte pressão para que o presidente anuncie logo seu escolhido, mas assessores próximos entendem que seria uma indelicadeza revelar o nome do candidato a substituto com a titular ainda sentada na cadeira. E o presidente pode usar o argumento de que mesmo a indicação de Zanin, que era tida como certa, foi feita apenas quarenta dias após a aposentadoria de Ricardo Lewandowski. É provável que o presidente defina primeiro o nome do novo procurador-geral da República, que vai substituir Augusto Aras, cujo mandato acaba no dia 26 de setembro. Os favoritos, por ora, são o subprocurador-geral da República Antonio Carlos Bigonha e o vice-procurador-geral eleitoral, Paulo Gonet.
O fato é que a escolha de ministros do Supremo, que até pouco tempo atrás era feita com discrição e sob pouco interesse da sociedade, tornou-se um importante evento político e de forte apelo midiático. Sua importância é tamanha ao país que há quem advogue que ela deveria ser feita pelo presidente em pronunciamento nacional em rádio e TV, com as devidas justificativas. Em meio a uma inédita pressão, a indicação do novo ministro vai encontrar um Supremo que se agigantou nos últimos anos, principalmente na defesa da democracia, e que mostrou coragem para enfrentar temas difíceis, das drogas ao aborto, passando pela questão indígena. O Brasil espera que o novo ministro esteja à altura deste momento.
Publicado em VEJA de 22 de setembro de 2023, edição nº 2860