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A floresta exige a lei

Por que, apesar de o Brasil ser pioneiro em monitorar as florestas, o desmatamento ainda cresce?

Por Tasso Azevedo*
Atualizado em 4 jun 2024, 16h30 - Publicado em 19 abr 2019, 07h00
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  • O Brasil é referência internacional no trabalho de detecção de desmatamentos ilegais — convém, portanto, deter-se no processo que nos trouxe até aqui. No fim dos anos 1980, a Amazônia ganhou as manchetes da imprensa em todo o mundo. As imagens da floresta em chamas e o assassinato, a tiros de escopeta, do líder seringueiro Chico Mendes, em dezembro de 1988, foram estopins para chamar a atenção global para o rápido avanço da devastação da região. Não havia internet aberta ao público, mas nem por isso tais notícias deixaram de correr o planeta nas capas de jornais e revistas.

    Em maio de 1992, pouco antes do início da Eco 92, a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) publicou o relatório do Programa de Monitoramento da Floresta Amazônica Brasileira por Satélite (Prodes), o primeiro no mundo de monitoramento de florestas tropicais por meio de sensoriamento remoto.

    Desde 1975, quando entraram em funcionamento as primeiras versões do satélite Landsat, o Inpe tornara-se um dos pioneiros na captação e no processamento de imagens da Terra. Um dos usos iniciais foi estimar a área desmatada na Amazônia. Naquela época, o cálculo revelou que apenas 0,6% do bioma era afetado. O primeiro levantamento do Prodes estimou a área desmatada anualmente na Amazônia, entre 1978 e 1988, em 21 000 hectares por ano, taxa que se foi reduzindo nos anos seguintes até chegar a 11  100 quilômetros quadrados em 1991. Durante o período avaliado, em 1988, foi promulgada a nova Constituição do país, com forte capítulo ambiental e de direitos indígenas, seguindo-se a criação do Ibama e a primeira leva de expansão das áreas protegidas.

    A partir de 1992, na esteira da crise que culminou com o impeachment de Fernando Collor, o desmatamento, no entanto, voltou a subir e atingiu, em 1995, um pico de 29 000 quilômetros quadrados por ano — até ali, o mais alto índice registrado em toda a série histórica. Foram criadas, então, mais áreas protegidas; a lei de crimes ambientais foi aprovada e o Ibama intensificou a fiscalização. Como resultado, o desmatamento caiu para 13 000 quilômetros quadrados em 1997. Contudo, voltou a crescer e atingiu 27 000 quilômetros quadrados em 2004.

    Naquele mesmo ano, o Inpe deu mais um salto de inovação e implementou um sistema pioneiro de detecção mensal de alertas de desmatamento, o Deter. As equipes vasculhavam a Amazônia apontando locais onde poderia haver desmatamento. Os dados eram publicados mensalmente e de forma aberta para que qualquer cidadão pudesse checá-los. O Deter representou uma revolução para os sistemas de fiscalização. Sabendo-se onde havia indícios de desmatamento, era possível planejar muito melhor as operações de campo.

    Aliado a outras iniciativas do Plano de Prevenção e Combate do Desmatamento na Amazônia Legal, como a ampliação das áreas protegidas e o combate à corrupção associada à exploração madeireira, o desmatamento passou por um período prolongado de queda até 2012. Naquele ano, a prática atingiu o menor nível histórico, com 4 600 quilômetros quadrados — uma queda de quase 80% em relação à média das décadas anteriores. A existência desse monitoramento foi o que permitiu ao Brasil comprovar o decréscimo do desmatamento e receber mais de 1,2 bilhão de dólares de doações para o Fundo Amazônia. Entretanto, e infelizmente, o cenário se reverteria.

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    Em 2012 foi aprovado o novo código florestal, com enorme anistia a desmatamentos anteriores a 2008, tornando compulsório o cadastro ambiental rural. A partir do governo Dilma, a criação de unidades de conservação e demarcação de terras indígenas caiu e ações de revisão de limites de unidades de conservação, até então impensáveis, começaram a surgir. Esse processo intensificou-se no governo Temer. Como resultado, o desmatamento voltou a crescer e alcançou 8 000 quilômetros quadrados em 2018.

    “O problema só se resolverá de fato se houver vontade política. É preciso uma espécie de Lava-Jato no setor”

    Atualmente, o Deter utiliza um conjunto maior de sensores, com alta resolução, e gera dados quase diariamente sobre o desmatamento na Amazônia e no cerrado. Com base na experiência bem-sucedida do Inpe, outros sistemas de monitoramento independentes surgiram, entre eles o SAD, da organização Imazon, que produz alertas mensais de desmatamento na Amazônia desde 2007, e o Glad, da Universidade de Maryland (EUA), que divulga dados desde 2016. O próprio Inpe, que também monitora a Mata Atlântica desde a década de 90, em parceria com a SOS Mata Atlântica, ampliou o monitoramento anual e mensal para o cerrado. Hoje existem em operação no Brasil onze sistemas de monitoramento.

    Apesar de todo esse aparato, as taxas de desflorestamento voltaram a crescer, acompanhadas de alta ilegalidade, visto que a sensação de impunidade é predominante. Em 2018, só os três principais sistemas de monitoramento (Deter, SAD e Glad) geraram e disponibilizaram acima de 150 000 alertas. Destes, menos de 1% foi aproveitado e transformado em ações de fiscalização. Um estudo de 2013 já mostrava que menos de 10% das multas aplicadas são pagas — e nem 1% do valor devido é arrecadado. Ou seja, o risco de ser efetivamente penalizado pelo desmatamento ilegal é muito baixo. Três fatores se destacam: o excessivo tempo gasto para processar as informações e gerar os laudos de fiscalização, a limitação de recursos humanos e orçamentários de órgãos ambientais e a falta de vontade política de combater a impunidade.

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    Em dezembro de 2018 foi criado o MapBiomas Alerta, que vai consolidar os sistemas de monitoramento em operação no Brasil. Trata-se de iniciativa de uma rede de ONGs, universidades e empresas de tecnologia. O MapBiomas detalha, com o auxílio de imagens de satélite diárias de alta resolução, cada um dos alertas gerados pelos sistemas existentes. Com essa informação, são criados automaticamente laudos que mostram a floresta antes e depois do desmatamento e identificam a data do crime. Os laudos, que equivalem a uma imagem de radar de trânsito, serão disponibilizados gratuitamente para os órgãos de controle, além de ficarem acessíveis a todo o público, por meio de uma plataforma transparente na internet. O sistema vai cobrir todo o território brasileiro.

    Um exemplo de enfrentamento da dificuldade de fiscalização é uma iniciativa apoiada pelo Fundo Amazônia chamada Programa Municípios Verdes no Estado do Pará. Por meio dela, sociedade e órgãos de controle de doze municípios com altas taxas históricas de desmatamento usavam os dados de monitoramento mensal gerados pelo SAD/Imazon e promoviam a fiscalização efetiva de cada aviso de desmatamento. No período de implementação do projeto (de 2012 a 2015), o desmatamento caiu a quase zero nesses municípios.

    Descrevi todo esse cenário para frisar que não precisamos gastar milhões de dólares para implementar novos sistemas de monitoramento, como tem sido aventado por setores do governo. O problema do desmatamento só se resolverá de fato se houver vontade política, cooperação entre as autoridades e a sociedade e investimento nos órgãos de controle para que seja possível garantir a punição exemplar dos desmatadores ilegais.

    A desculpa da falta de monitoramento não cola mais. É preciso uma espécie de Lava-Jato do desmatamento, e que se atente mais para a degradação ambiental no Brasil. Chega de impunidade.

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    * Tasso Azevedo é engenheiro florestal, coordenador técnico do Observatório do Clima e coordenador-geral do MapBiomas

    Publicado em VEJA de 24 de abril de 2019, edição nº 2631

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