Confinados em seus lares e domicílios nos períodos mais severos da quarentena imposta pela pandemia, os consumidores passaram a adquirir mais produtos pelo celular ou computador e a usar com maior frequência os serviços de entrega de refeições — ou delivery, na expressão em inglês, a mais habitual — para evitar sair às ruas e observar o distanciamento social. Os restaurantes, bares e lanchonetes também adaptaram seus negócios para sobreviver à catástrofe sanitária e responder à alta na demanda. Tudo isso teve consequências drásticas na produção de lixo plástico e pode resultar em outros desdobramentos ainda piores no meio ambiente, como mostram estudos recentes.
Foi em razão do isolamento social, diz uma pesquisa desenvolvida pela empresa de consultoria ExAnte a pedido da organização não governamental Oceana, que as refeições para viagem e a utilização de plástico para embalar, transportar e consumir essa comida explodiram no país. As cifras são claras: o uso de plástico nesse setor cresceu 46%, saindo de 17 000 toneladas para 25 000 entre 2019 e 2021. Só no ano passado, foram consumidas 68 toneladas por dia, ou 2,8 toneladas por hora. Faz sentido quando esses efeitos são traduzidos em valores: o setor cresceu 86,5% entre 2018 e 2021, alcançando 25,84 bilhões de reais no ano passado.
As consequências da utilização exacerbada de plástico são terríveis. Há boas razões para acreditar que ele está se acumulando e até espalhando doenças em todo o mundo. Um estudo recente da Universidade de Exeter, na Inglaterra, mostrou que microplásticos encontrados na água do mar são rapidamente colonizados por bactérias, incluindo patógenos responsáveis por causar infecções do trato urinário, pele e estômago, além de pneumonia e outras patologias. Como são substâncias resistentes, de longa vida e flutuantes, os cientistas estão preocupados pelo fato de que podem carregar isso tudo por longas distâncias. Após o terremoto e o tsunami de 2011 no Japão, fragmentos de objetos, por exemplo, foram encontrados na costa oeste dos Estados Unidos.
Publicado há dois anos, o relatório “Um oceano livre de plástico” destacou que mais de 800 espécies marinhas — muitas delas em risco de extinção — são afetadas de alguma forma por essa presença incômoda nos mares. Quando o assunto são os seres humanos, não melhora muito. Estudos médicos identificaram partículas nos pulmões e na placenta de mulheres grávidas. Em março, pesquisadores da Universidade de Vrije, na Holanda, fizeram a descoberta mais assustadora, ao detectar micropartículas na corrente sanguínea de uma pessoa. Vieram de garrafas plásticas, de isopor e de embalagens de alimentos e sacolas de supermercado. Isso afeta não apenas a vida dos animais marinhos e a nossa, mas o planeta como um todo.
Se a poluição por plástico já era crítica, ela só se intensificou nos últimos anos, e especialmente durante a pandemia. Por ser criado para consumo e descarte imediato, ele gera grandes quantidades de resíduos não recicláveis e não biodegradáveis. Segundo os pesquisadores, o que hoje pode parecer barato para o consumidor, deixa um legado negativo para o futuro, com custos ambientais que serão pagos por toda a sociedade. Mesmo com o relaxamento das medidas de distanciamento e a consequente redução dos pedidos de refeições, as empresas continuam investindo no comércio eletrônico, que exige enormes quantidades de embalagens feitas com esse material. “As companhias precisam passar a oferecer ao consumidor alternativas ao plástico”, diz o oceanólogo Ademilson Zamboni, diretor-geral da Oceana no Brasil.
Uma saída é a adoção de medidas efetivas para reduzir a oferta e o uso de plástico descartável, além de promover incentivos econômicos para a utilização de meios alternativos e modelos de reúso. As empresas envolvidas no emprego desse material, afinal, devem ser incentivadas a oferecer opções diferenciadas aos clientes. Os consumidores, por sua vez, precisam se educar para não aumentar a presença de plástico na natureza. É um caminho longo.
Publicado em VEJA de 10 de agosto de 2022, edição nº 2801