Guerra, eleição, terremoto: relembre 10 grandes eventos de 2023 em fotos
Ano marcado por instabilidade teve surpresas na política e fez humanidade enfrentar força da natureza
Se o instável 2023 teve uma constante, foi um clima geral de desgaste. Foi um ano difícil ao redor do globo: guerras em curso continuaram, enquanto novas irromperam. A competição geopolítica aumentou, e a diplomacia produziu poucos progressos tangíveis. Ao todo, boas notícias têm sido escassas, e não surpreende que dez dos principais eventos mundiais em 2023 reflitam isso. Todas essas histórias requerem atenção – suas repercussões devem continuar ecoando no próximo ano e, muito provavelmente, para além de 2024.
1. Incidente do balão espião
Quando um balão espião chinês adentrou o espaço aéreo dos Estados Unidos no início de fevereiro, desencadeou uma tempestade de preocupações no Capitólio e levou ao cancelamento da viagem do secretário de Estado Antony Blinken à China, em meio às relações já tensas entre os dois países. Washington considerou a presença do balão uma violação da sua soberania, enquanto Pequim disse que os americanos “exageraram o incidente propositalmente e até usaram a força para atacar”.
A China afirmou que o equipamento se tratava de um balão meteorológico que desviou da rota, mas os Estados Unidos afirmaram que seu propósito era mais sinistro. Ele possuía dispositivos “claramente para vigilância de inteligência”, incluindo “múltiplas antenas capazes de coletar e localizar geograficamente comunicações”, de acordo com o Departamento de Estado americano. Em seguida, ocorreram vários outros incidentes envolvendo objetos voadores, aumentando ainda mais a preocupação da Casa Branca.
Após meses de análise dos destroços do balão espião chinês, o porta-voz do Pentágono, Patrick Ryder, disse que o equipamento não coletou informações durante o trajeto do Alasca até a Carolina do Sul.
2. Terremoto na Turquia
Mais de 67 mil pessoas morreram depois de uma série de tremores devastadores atingir partes da Turquia e da vizinha Síria no início de fevereiro. Milhares de edifícios ruíram, prendendo moradores sob os escombros. A maior parte dos danos foi causada por dois terremotos de magnitude 7,8 e 7,7 que atingiram Antakya em poucas horas. Estima-se que este tenha sido o maior terremoto em território turco desde 1939.
Nem mesmo o devastador terremoto, porém, foi suficiente para derrubar Recep Tayyip Erdogan, o presidente turco cuja atuação na tragédia, envolta em denúncias de corrupção, foi considerada pífia diante da extensão do drama humano. Aos 69 anos, ele conquistou mais um mandato em junho, estendendo sua temporada no poder até 2028 — o governante mais longevo do país, bem à frente do fundador do Estado turco moderno, Mustafa Kemal Ataturk.
3. Índia se torna o país mais populoso
Dona de uma impressionante coleção de títulos vistosos, a China perdeu um deles neste ano para a Índia — o de nação mais populosa do planeta. O maior rival dos chineses na Ásia conquistou o topo do pódio em abril, contabilizando mais de 1,425 bilhões de habitantes. A inédita mudança acompanha estatísticas positivas: ao longo da última década, a economia indiana se expandiu 40% e o PIB alcançou 3,5 trilhões de dólares anuais. Estima-se que até o fim da década o país chegue ao terceiro lugar, atrás apenas de Estados Unidos e China, como resultado da injeção de 30 bilhões de dólares em áreas prioritárias, como as de semicondutores e tecnologias de baixo carbono.
A pujança econômica contrasta com o retrocesso político comandado pelo primeiro-ministro Narendra Modi, populista de direita à moda antiga que desfruta de grande popularidade graças à farta distribuição de agrados e à incitação do nacionalismo na maioria hindu. Modi manipula a Justiça com a promoção e o ostracismo de juízes e assim, por meio de mandados e buscas supostamente legais, consegue controlar a imprensa e instituições civis. Uma Lei de Segurança Pública autoriza a prisão preventiva de suspeitos de atos contra o governo por até dois anos. A minoria muçulmana — 15% da população, ou 200 milhões de pessoas — é perseguida e atacada, em um clima de permanente tensão religiosa.
4. Submersível desaparecido
O submersível Titan, com cinco pessoas a bordo, implodiu no Oceano Atlântico Norte em 18 de junho. A embarcação fazia parte de uma missão de turismo extremo em alto mar para visitar os destroços do Titanic, afundado há 111 anos, a mais de 3.600 metros de profundidade. Após uma árdua missão de busca e resgate que durou dias, as autoridades confirmaram que os destroços do submersível foi encontrado a cerca de 500 metros da proa do Titanic.
Os passageiros a bordo eram Stockton Rush, CEO da OceanGate, a empresa que liderou e idealizou a expedição, Paul-Henri Nargeolet, um explorador francês de águas profundas e especialista no Titanic, Hamish Harding, um empresário britânico, Shahzada Dawood, um empresário paquistanês-britânico, e seu filho Suleman.
5. Beijo forçado na Copa do Mundo Feminina
A Espanha venceu a Copa do Mundo Feminina, sediada em julho na Austrália e na Nova Zelândia, mas o triunfo foi ofuscado por um incidente envolvendo Luis Rubiales, então presidente da Federação Espanhola de Futebol, e a camisa 10 da seleção, Jenni Hermoso. Durante a cerimônia de premiação das medalhas, ele deu um beijo nos lábios da atacante – um ato que ela disse não ter sido consensual. Além disso, Rubiales também fez um gesto obsceno indecoroso, agarrando a virilha enquanto comemorava o título. O episódio provocou comoção geral e convulsionou a sociedade espanhola, que lançou duras críticas contra o machismo incrustrado nas instituições do país.
Inicialmente, Rubiales recusou-se deixar o cargo, insistindo numa assembleia geral extraordinária convocada para tratar das questões que era vítima de uma caça às bruxas. No entanto, em setembro, após a demissão do treinador da seleção – seu amigo e aliado –, Jorge Vilda, ele finalmente renunciou. No final de outubro, por fim, a Fifa baniu o ex-presidente da Federação de todas as atividades relacionadas ao futebol por três anos, após uma investigação do comitê disciplinar.
6. Contraofensiva ucraniana sem frutos
As esperanças eram grandes no início do ano de que uma contraofensiva, iniciada em junho, pudesse quebrar o domínio da Rússia sobre o leste da Ucrânia e, possivelmente, sobre a Crimeia. Apesar de infligir grandes perdas ao exército russo, as linhas de batalha quase não se moveram, já que Moscou havia aproveitado o inverno e a primavera para preparar defesas formidáveis. No início de novembro, o principal general da Ucrânia descreveu os combates como um “impasse” e admitiu que “muito provavelmente não haverá um avanço profundo e bonito”. Na verdade, Rússia ganhou mais território ao longo do ano do que a Ucrânia.
Nos corredores do poder, o assunto rapidamente voltou a ser se a Ucrânia conseguiria vencer, ou ao menos sustentar, uma guerra de desgaste que parece favorecer o Kremlin, dada a sua economia e população substancialmente maiores. Uma fadiga começou a contagiar o Ocidente, especialmente os Estados Unidos: deputados e senadores republicanos se recusaram a enviar mais ajuda financeira e militar a Kiev. Cresceram os apelos para que Kiev passasse do ataque para a defesa e procurasse um cessar-fogo. É discutível se o presidente russo, Vladimir Putin, que acredita que o tempo está a seu favor, concordaria em interromper os combates.
7. Golpe contra Putin
A notícia caiu como efeito de uma explosão de mil drones: mercenários do famigerado grupo Wagner, a tropa de choque da Rússia na invasão da Ucrânia, marchavam céleres na direção de Moscou em junho, exigindo a deposição do alto-comando militar. O motim liderado por Yevgeny Prigozhin, aprendiz de oligarca que aliava à função de comandante do Wagner o posto de fornecedor das iguarias servidas nos banquetes do Kremlin, durou apenas 36 horas e foi desmontado na base da conversa, mas, como não podia deixar de ser, causou arranhões na carapaça de seu ex-amigo do peito, o presidente Vladimir Putin. Nenhum amotinado foi preso e as aparições em série de Putin reforçaram, em vez de atenuar, a impressão de que o líder todo-poderoso não é, ou não estaria, tão poderoso assim.
No entanto, exatos dois meses depois da revolta, Prigozhin faleceu numa queda de avião, que matou outros nove, rodeada de mistério. No momento do que a Rússia classificou como “acidente”, Putin estava dando um discurso durante um concerto em uma universidade, despreocupado. Pode levar anos até que o mundo saiba o que verdadeiramente aconteceu com o antigo líder do grupo Wagner, mas uma coisa é certa: sua morte restaurou, ou ao menos reparou momentaneamente, a aura de poder do chefe do Kremlin – que casualmente anunciou que concorrerá novamente à Presidência, para mais seis anos no posto, em 2024.
8. Guerra em Gaza
No sempre explosivo Oriente Médio, na madrugada de 7 de outubro, milhares de militantes do grupo palestino Hamas, no governo da Faixa de Gaza, invadiram cidades e bases militares próximas e assassinaram indiscriminadamente cerca de 1.200 pessoas. Uma rave no deserto virou depósito de corpos dilacerados, alguns com evidências de violência sexual. Além disso, o ataque deixou quase 7.000 feridos, enquanto outros 240 reféns foram levados para Gaza.
Israel reagiu com intensidade, bombardeando sem trégua todo o enclave palestino, revidando a invasão com blindados e soldados. Após uma breve trégua de seis dias, na qual 89 reféns foram soltos, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu disse que a guerra só acabaria com a “total eliminação” do Hamas. O custo humanitário da reação foi avassalador. Às vésperas do fim do ano, o número de mortos na Faixa de Gaza chegou a 20 mil, ao menos um terço deles crianças. Calcula-se que 1,8 milhão, dos 2 milhões de habitantes, tenham saído de suas casas, fugindo das bombas. Faltam água, comida, energia e cuidados médicos. E a crise parece longe de acabar.
9. Vitória de Milei na Argentina
Com 55% dos votos, o economista ultraliberal Javier Milei, com opiniões excêntricas, gestos histriônicos e projetos grandiosos desbancou o poderoso peronismo da Casa Rosada em novembro. No balaio de ideias disseminadas em campanha, as principais eram dolarizar a moeda, “dinamitar” o Banco Central, privatização, luta contra o “marxismo cultural” e distância dos “comunistas”, aí incluído o presidente Lula. Uma vez eleito, amenizou o tom e parece estar se esforçando para reconstruir pontes – pôs à frente do Ministério da Economia o experiente Luis Caputo, ex-ministro do governo de Mauricio Macri.
No entanto, já assinou um megadecreto para desregulamentar a economia e reduzir o tamanho do Estado, que gerou revolta entre a população argentina. Sofrendo com uma inflação que promete bater os 200% no começo de 2024, muitos foram às ruas contra Milei em 20 e 21 de dezembro, além de estenderem panelaços e buzinaços por mais de meia hora. Irredutível, Milei já deixou o aviso: “Vem mais por aí”. Apenas um dos três políticos não alinhados ao peronismo que ocuparam a presidência da Argentina sobreviveram até o fim do mandato – resta ver, no ano que vem, de qual turma ele fará parte.
10. Onda de calor
As mudanças climáticas já não são uma ameaça futura e, na contagem regressiva para o Réveillon, 2023 deve ser o ano mais quente já registrado, depois de ter marcado o dia mais escaldante da história, bem como os meses de julho, agosto e setembro. As temperaturas globais são as mais elevadas dos últimos 125 mil anos e estão prestes a ultrapassar o limite de aquecimento de 2ºC acima dos níveis pré-industriais, consagrado no Acordo de Paris de 2015. O resultado foram eventos climáticos extremos em todo o mundo, que vão desde incêndios florestais a secas extremas e inundações recordes.
Otimistas apontam para desenvolvimentos que poderiam mudar a situação, como o investimento em energia limpa, que disparou. O custo da eletricidade de origem eólica e solar continua a cair e muitos país devem atingir o pico de emissões nos próximos anos, além do interesse crescente no hidrogênio verde e lítio, que podem ser bom negócio para o Brasil. No entanto, ainda há dúvidas sobre a rapidez e a amplitude com que esses avanços podem ser feitos, especialmente já que a produção e as emissões de combustíveis fósseis continuam a aumentar. Na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas de 2023, a COP28, falou-se apenas em uma “transição”, não eliminação, do gás de do petróleo para fontes alternativas.