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Isabelle Huppert a VEJA: ‘Não me vejo como ícone, nem como feminista”

Em 'A Sindicalista', ela volta a um tipo de papel que virou sua marca registrada

Por Raquel Carneiro Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 10h22 - Publicado em 30 jun 2023, 06h00

Os atributos de Isabelle Huppert impressionam. Estrela do cinema francês que combina talento, elegância e beleza, a parisiense é reverenciada também em Hollywood e respeitada por diretores com fama de difíceis: ela conquistou do mestre da nouvelle vague Jean-Luc Godard ao austríaco Michael Haneke. A atriz, porém, carrega consigo uma pecha mais mundana. Ainda que não goste da alcunha, Huppert é uma workaholic. A prova é seu currículo: são 140 filmes lançados em cinco décadas de carreira, fora participações em séries de TV e peças de teatro nos principais palcos do mundo, da França e Inglaterra até os Estados Unidos. A agenda lotada a levou a atender a reportagem de VEJA via telefone às 22 horas em Seul, capital da Coreia do Sul, onde ela atualmente roda um filme com o cineasta cult Hong Sang-soo. “Que horas são no Brasil agora?”, ela questionou, curiosa. Eram 10 horas da manhã por aqui. “Temos doze horas de distância entre nós”, comentou a atriz, sem demonstrar a menor ponta de cansaço após mais um dia de trabalho duro no set de gravação.

Le Cinema Francais

Entre seus trabalhos recentes está o filme A Sindicalista (La Syndicaliste, França/Alemanha, 2022), já em cartaz no Brasil. A produção dirigida por Jean-Paul Salomé é um dos cinco longas lançados por ela no ano passado — e de longe o mais impactante. Ambientado entre 2012 e 2018, ele acompanha a história real de Mau­reen Kearney, presidente do sindicato da Areva, então gigante francês da indústria nuclear. Maureen descobriu planos de fusão e troca de segredos tecnológicos da empresa com a China, relação que colocou na mira o emprego de 50 000 funcionários — mas garantiria bilhões de euros aos que estavam no topo da corporação. Ao peitar poderosos, ela foi atacada e torturada dentro de casa. A violência expôs uma rede de corrupção, da polícia ao Judiciário — e Maureen foi encurralada por narrativas machistas, que puseram sua sanidade em xeque.

História(s) do cinema

Diante dos principais trabalhos da atriz, não é difícil entender seu interesse por A Sindicalista. “Gosto de pessoas complexas, intensas, que nos deixam em dúvida sobre seus atos”, diz (leia mais). Um dos melhores exemplos é Michèle, protagonista do excelente e provocativo filme Elle, de Paul Verhoeven, com o qual Isabelle concorreu ao Oscar em 2017 — mas perdeu, injustamente, para Emma Stone por La La Land. No longa, Michèle é estuprada e passa a perseguir (e até seduzir) seu abusador. Assim como Maureen, ela enfrenta o trauma de modo pouco convencional: ambas se reconhecem como vítimas e querem justiça, mas não se rendem à paralisia do vitimismo. “Isabelle é uma atriz única, inteligente e intuitiva. Ela toma a cena e o diretor só tem o trabalho de acompanhá-la”, disse Verhoeven na época.

Isabelle Huppert: Stardom, Performance, Authorship

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Filha de uma professora de inglês e de um engenheiro, Isabelle começou a atuar na adolescência, passou pela TV e logo em seu primeiro filme, Desejo de Amar (1972), causou espanto direto no badalado Festival de Cannes. Sensual e enigmática, reforçou uma geração de ouro de atrizes francesas incontornáveis da história do cinema, como Catherine Deneuve e Isabelle Adjani — grupo de beldades que seguiu na esteira da musa Brigitte Bardot, que as antecedeu e ajudou a abrir portas para as conterrâneas em Hollywood. Isabelle Huppert, porém, demonstrou habilidades que a elevaram a uma espécie de Olimpo da atuação — uma lista recente do americano The New York Times a elegeu como a melhor atriz do século XXI (até o momento). Sem sentimentalismos maniqueístas e de olhar penetrante, ela é capaz de provocar sensações inesperadas no espectador, hipnotizado por sua persona — mesmo diante de cenas difíceis de se assistir. Sua força é inesgotável — e seu talento, idem.

“Gosto de me impor”
A atriz Isabelle Huppert falou a VEJA sobre a carreira e sua predileção por personagens complexas

INTENSA - A estrela francesa em Elle: mulheres que desafiam o senso comum
INTENSA – A estrela francesa em Elle: mulheres que desafiam o senso comum (Picturehouse Entertainment/.)
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O que a atraiu em A Sindicalista? Gosto que seja um thriller, mas também é sobre a história real e chocante dessa mulher que tem uma coisa hitchcockiana, é loira, bela e dura. Ela sofreu uma violência e foi desacreditada por homens por seu jeito de ser.

Suas personagens costumam ser ambíguas e fortes. Por que esse tipo a interessa? O cinema permite mostrar as nuances da vida humana. Gosto de pessoas complexas, intensas, que nos deixam em dúvida sobre seus atos.

Considera-se um ícone feminista? Não me vejo como ícone, nem como feminista. Meu jeito de ser feminista é ser o centro de mim, e não a seguidora de um homem. Gosto de me impor, de fazer minhas escolhas e de ser responsável por elas. Tento buscar meu lugar e minhas convicções em tudo o que eu faço.

Sua rotina insana já é conhecida no meio. O que a motiva a trabalhar tanto? Ouvi recentemente uma fala do diretor Jean Renoir (1894-1979) na qual ele respondia a essa pergunta dizendo que sua motivação era o presente. Que não era o resultado final, mas, sim, o momento e a alegria que o hoje traz. Eu concordo. Faço o que eu faço porque amo o momento em que estou trabalhando.

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Entre tantos filmes, carrega algum arrependimento? Já me arrependi de não ter aceitado projetos, mas nunca do que eu já fiz. Não sou do tipo que olha para trás.

A senhora é aclamada em diversos países. Como analisa o termo “sucesso”? Aprendi que é impossível ter sucesso sempre e em todas as áreas. O importante é continuar em movimento.

Publicado em VEJA de 5 de Julho de 2023, edição nº 2848

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