No topo do mundo: como Taylor Swift se tornou a estrela musical do momento
Na estrada com a ruidosa The Eras Tour, a cantora arrasta multidões por onde passa — quebrando recordes históricos na indústria
Quem passou nas últimas semanas pela região do Allianz Parque, em São Paulo, presenciou uma cena peculiar: sob um viaduto próximo ao estádio, centenas de jovens se aglomeravam em barracas improvisadas. Eles estavam em busca de algo mais cobiçado que ouro no momento: um ingresso para o show da americana Taylor Swift, que vem ao Brasil com uma turnê pela primeira vez em novembro, para seis apresentações. Loucuras à parte, o acampamento — que para alguns começou meses antes do anúncio das apresentações — resume o apetite voraz pelo direito de ver a estrela no palco: para os primeiros três shows, a fila virtual bateu os 2 milhões de acessos, esgotando as entradas em poucos minutos. Na bilheteria física, quem ainda estava de mãos vazias quando os ingressos acabaram deixou o local aos prantos. A demanda resultou em três datas extras, totalizando 312 500 ingressos.
Isso, note-se, só no Brasil. A quem esteve alheio ao pop na última década, o furor em torno de Taylor pode parecer nebuloso, mas o fenômeno é global e nada inesperado. Aos 33 anos, e com dezessete de carreira, a americana — que despontou no country e transitou com sucesso para o pop — conquistou milhões de fãs combinando o talento excepcional para letras poéticas e pessoais à inteligência rara para os negócios. Num meio dominado pela postura de “diva” e coreografias mirabolantes, ela se diferencia com papel, caneta e um violão, vertendo suas inseguranças e desilusões em baladas que conversam diretamente com o público. “É como uma irmandade”, proclamou certa vez Paul McCartney sobre a relação da colega com os fãs.
Com público tão fiel quanto o das mais aguerridas torcidas de futebol, Taylor arrasta multidões por onde passa. Desde que pôs o pé na estrada com a The Eras Tour, em março, já atraiu mais de 1 milhão de pessoas nos Estados Unidos, e ameaça derrubar os recordes de arrecadação que ainda se mantêm em pé (leia o quadro). Segundo levantamento divulgado nesta semana pelo site Pollstar, a The Eras encabeça a lista de turnês mais rentáveis do ano, com 300,8 milhões de dólares em ingressos vendidos. A contagem engloba as primeiras 22 apresentações, resultando em uma média de 13,6 milhões de dólares por show.
Se mantiver o desempenho até agosto de 2024, quando fará a última das 106 datas programadas até agora, a turnê terá arrecadado a bagatela de 1,4 bilhão de dólares. A título de comparação, a turnê feminina mais lucrativa até hoje é a Sticky & Sweet (2008-2009), de Madonna, que passa longe disso, com 407 milhões de dólares. Entre os homens, a marca do bilhão também nunca foi atingida: a que chega perto é a atual de Elton John, que caminha para o fim no início de julho com 817,9 milhões de dólares. Só mesmo Beyoncé pode ameaçar o reinado absoluto de Taylor: a passagem da estrela do R&B pela Suécia fez subir a inflação local e, segundo estimativa da Forbes, ela pode arrecadar até 2 bilhões de dólares com a nova turnê.
Taylor e Beyoncé puxam uma tendência mais ampla: no renascer do showbiz pós-pandemia, vive-se uma nova era dourada das turnês globais. De acordo com o levantamento da Pollstar, a receita média dos shows cresceu 64,7% em 2023 e a média de ingressos vendidos saltou 49,3%. Nesse ambiente de euforia, a busca pelo espetáculo de Taylor cria situações inusitadas: nos Estados Unidos, a pré-venda da The Eras Tour, em novembro, derrubou o site da Ticketmaster e o caso virou debate no Senado americano, com parlamentares cobrando medidas de combate ao monopólio. No Brasil, o acesso fácil de cambistas aos ingressos acabou em investigação no Ministério Público e na proposta de “Lei Taylor Swift”, da deputada Simone Marquetto (MDB), que visa a atualizar a legislação sobre o tema.
Quadro Placa Decorativa Taylor Swift
A disputa de Taylor com Beyoncé atiça os fãs nas redes sociais, mas o fato é que ambas têm apelos diferentes: enquanto a “rival” é imbatível em performance física e potência vocal, Taylor é uma das melhores letristas da atual geração, atraindo o público com canções que emulam emoções universais, como a autossabotagem expressa no inescapável hit Anti-Hero. O perfil dos ouvintes também varia. Segundo uma sondagem recente da empresa Morning Consult, 75% dos autoproclamados “swifties” americanos se declaram brancos, e 45% são millennials — ou seja, têm entre 28 e 40 anos. A faixa etária é a mesma de Beyoncé, mas a “Queen B” tende a ter uma presença muito mais forte na comunidade negra. Com suas letras confessionais, Taylor provoca identificação em grau obsessivo em seu público — e sabe manipulá-lo emocionalmente. Após romper com a gravadora Big Machine Records, ela regravou dois antigos álbuns — e incentivou os fãs a consumir as novas versões, turbinando seus ganhos em direitos autorais.
Os shows de mais de três horas da The Eras Tour são a coroação dessas sacadas certeiras. A maratona de 44 músicas sintetiza seu ritmo frenético de composição: de 2019 pra cá, Taylor lançou quatro álbuns inéditos que acabaram sem turnê em função da pandemia. Para abarcar os filhotes do lockdown, idealizou um espetáculo que funciona como uma viagem teatral a todas as “eras” de sua carreira. Presente aos fãs, a turnê é também uma inteligente jogada de marketing: de acordo com pesquisa da Billboard, as reproduções de todo o catálogo de Taylor no Spotify saltaram 79% nos primeiros meses dos shows.
Letras que falam de coração partido — devidamente atualizada para a juventude atual — impulsionam a atração pela cantora. Taylor terminou recentemente um discreto relacionamento de seis anos com o ator Joe Alwyn — mas, quando era uma estrelinha juvenil do country monitorada pela mãe, seus namoricos deixaram marcas. No início da carreira, o rótulo de “escrever sobre ex” fez dela alvo fácil de ataques machistas. “Eu vou envelhecer / Mas suas namoradas permanecerão da minha idade”, canta na dilacerante All Too Well, inspirada pelo ator Jake Gyllenhaal, antigo affair nove anos mais velho que ela.
A discografia de Taylor, porém, passa longe de se resumir aos homens: vai do empoderamento de The Man à angústia perante o câncer da mãe e à saudade da avó, Marjorie — que era cantora de ópera. “Assisti enquanto você assinava seu nome, Marjorie / Todos os seus armários de sonhos acumulados / E como você deixou todos para mim”, entoa numa pungente canção devotada a ela. De algum lugar, vovó deve observar com orgulho a netinha no topo do mundo.
Publicado em VEJA de 5 de Julho de 2023, edição nº 2848
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