Aos 27 anos, eu tinha uma carreira tradicional de engenheiro. Trabalhava em uma multinacional na área de monitoramento e GPS e volta e meia viajava para congressos internacionais. Sempre aproveitava para conhecer o lugar, dar uma explorada. E foi isso que aconteceu quando me mandaram para Hong Kong em 2007, com voo de volta via Pequim. Resolvi emendar as férias e conhecer a China, que andava em ebulição a um ano da Olimpíada que iria sediar. Fiquei impressionado. Em todo o canto, sem exagero, esbarrava com uma inovação. Entendi que aquele era o lugar para estar naquela hora e pedi a meu chefe para seguir em Pequim por mais um ano, ajudando na expansão da companhia do lado de lá do globo. Fiquei profundamente feliz quando veio a resposta positiva. Mas a vida tem esse fascinante componente do imprevisível, e minha cabeça mudou. Quatro meses mais tarde, me demiti, no risco, em busca de algo novo. Comecei a viver de bicos de tradução, dava aulas de inglês para crianças e pensava o tempo todo no próximo passo, imerso em um cenário de alta criatividade.
E, de repente, estava morando num país onde não conhecia ninguém, sem saber a língua nem dominar a cultura. Mesmo com as dificuldades naturais de uma reviravolta dessas, porém, me adaptei bem. Fiz amizade com brasileiros e estrangeiros, fui me aclimatando. Estava focado em absorver o que aquela tradição misturada com modernidade poderia me ensinar. Eis que, em meio a tantas diferenças, percebi como as bicicletas elétricas, muito usadas por operários para ir e vir do trabalho, dominavam as ruas. Não se via isso no Brasil. Eram simples, quadradas, sem charme, mas surpreendentemente úteis — inclusive para mim. Como ainda não tinha permissão para dirigir na China, essa bike foi a minha salvação. Fazia tudo com ela e, com o tempo, meus amigos também aderiram. E passamos a percorrer toda a cidade motorizados sobre duas rodas.
Meu interesse por essa forma mais rápida e prática de locomoção cresceu a um ponto tal que decidi visitar fábricas de onde saíam as bicicletas, a meia hora de Pequim. Meu irmão, que hoje é meu sócio, estava no Brasil e eu, empolgado, lá de longe, falava da minha ideia de criar um modelo ajustado à realidade brasileira. Era tudo novo e Rodrigo, a distância, não compreendia exatamente o projeto. Ainda assim, embarcou nele, embalado por um ímpeto de inovar, que é o que também me move. Claro que não foi fácil achar uma fábrica disposta a produzir a bicicleta do jeito que eu imaginava, tudo sob medida. Em 2008, consegui tirar do papel o primeiro modelo da Lev, já prevendo um monte delas na paisagem carioca e de todo o país. Inventamos um produto unissex, com design e, cereja do bolo, ainda vinha com a cestinha. O propósito era criar uma alternativa ao automóvel que atendesse toda a família.
Fazia alguns meses que vendíamos pela internet quando abrimos no Brasil a primeira loja física, em 2010. Àquela época, o depósito era improvisado na casa dos meus pais, lotado de bicicletas vindas da China. Eu e meu irmão fazíamos as entregas, sempre de madrugada. Nunca duvidei que daria certo, e deu. Hoje, estamos em quatro estados com 26 lojas, dezesseis abertas só nos últimos dois anos. Fiquei em solo chinês até 2019. Aí, vim passar férias no Rio de Janeiro, e a quarentena rígida de lá me impediu de voltar. A ideia agora é me revezar entre os dois países. Interessante é que a pandemia acabou dando um empurrão no negócio, uma vez que as pessoas buscam cada vez mais o ar livre e menos o aperto do carro. Aliás, está todo mundo cansado do trânsito e revoltado com o preço da gasolina. Eu mesmo vendi meu carro há um bom tempo e uso a bicicleta elétrica para tudo. Foi uma inovação também para minha própria vida.
Bruno Affonso em depoimento dado a Duda Monteiro de Barros
Publicado em VEJA de 15 de junho de 2022, edição nº 2793