O mundo das redes sociais está em ebulição. O modelo de negócio das plataformas tem se mostrado decadente e, em esforço para sobreviver, clama por mudanças. No espaço de um mês, Elon Musk sacramentou a compra do Twitter por 44 bilhões de dólares e a Meta, de Mark Zuckerberg, a holding que controla o Facebook, o WhatsApp e o Instagram, registrou perdas inesperadas que levaram à demissão de 11 000 funcionários. Musk, que passou de janeiro a outubro numa negociação sinuosa com os antigos proprietários do Twitter, já arregaçou as mangas. Por isso, quase 400 milhões de usuários da rede, 19 milhões deles no Brasil, aguardam ansiosos os próximos movimentos do novo proprietário.
Os adeptos do passarinho azul têm suas razões para se preocupar. A plataforma deve passar por mudanças nos próximos meses. Muitas delas foram anunciadas sem rodeios pelo comprador, ele próprio publicador compulsivo do microblog. A primeira é transformar o novo brinquedo em um simulacro de espaço público onde estaria garantida a total liberdade de expressão — tudo, diz Musk, dentro dos limites da lei. A segunda é mais complicada: convertê-lo em uma máquina de fazer dinheiro.
São voos altíssimos, até para quem transformou dois negócios desafiadores, Tesla e SpaceX, com seus carros autônomos e foguetes espaciais reutilizáveis, em modelo empresarial. Logo depois de concluir a compra do Twitter, Musk agiu como se estivesse em guerra. Montou uma sala de conflito na sede da empresa, em São Francisco, e se cercou de pessoas próximas e conselheiros profissionais para debater planos de ação. Resultado: o presidente Parag Agrawal e altos executivos foram demitidos, assim como metade do quadro interno — cerca de 3 700 funcionários. Equipes responsáveis por comunicações, curadoria de conteúdo, direitos humanos e ética de aprendizado de máquina foram eliminadas, assim como os “times” de produtos e engenharia.
A medida chegou ao Brasil, onde a maior parte dos 150 funcionários do Twitter acabou afetada. E-mails foram enviados às pessoas na madrugada da sexta-feira 4 informando o que aconteceria a cada um deles. O acesso a equipamentos e sistemas foi cortado, exceto o da equipe de vendas. Assim como no resto do mundo, os brasileiros usaram seus perfis na plataforma para se manifestar. “Nem nos piores pesadelos eu imaginei que uma jornada tão feliz pudesse terminar de um jeito tão triste”, lamentou Cleto Muniz, especialista em conteúdos com vídeos. No mesmo dia, Musk tuitou que “infelizmente não há escolha quando a empresa está perdendo mais de 4 milhões de dólares por dia”.
A medida não pegou muito bem, até porque atingiu equipes estratégicas. Um dos poucos remanescentes da derrama, Yoel Roth, chefe de segurança e integridade, disse que as reduções atingiram cerca de 15% de sua equipe, responsável por impedir a disseminação de desinformação e outros conteúdos nocivos. Roth também garantiu, por meio de publicações em seu perfil na plataforma, que as “capacidades de moderação” da empresa continuavam operantes. Mesmo assim, anunciantes fortes como os grupos automotivos General Motors e Volkswagen, o conglomerado alimentício General Mills, a cervejaria Carlsberg, a companhia aérea americana United Airlines e outras empresas relevantes interromperam seus contratos com medo de que propagandas de suas marcas pudessem aparecer ao lado de conteúdos problemáticos.
De início, Musk não deu muita bola e inclusive tuitou uma pesquisa perguntando se os anunciantes preferiam liberdade de expressão ou correção política. No fim, o autointitulado “operador de linha direta de reclamação do Twitter” reconheceu “uma queda maciça na receita”. Mas atribuiu a perda a “grupos ativistas que pressionaram os anunciantes”, acrescentando que nada havia mudado com a moderação de conteúdo. Como é típico em situações como essa, o novo chefe dobrou as apostas, investindo em projetos como ressuscitar a plataforma de vídeo Vine, cobrar por mensagens diretas e eliminar contas inativas. A cereja do bolo, no entanto, é o plano de lançar um serviço de assinatura premium por 8 dólares mensais e transformar o famoso “selo de autenticidade” azul exibido por famosos, políticos, especialistas e alguns jornalistas em uma mercadoria capaz de gerar bom volume de receitas.
As ações de Musk deixaram não só os usuários comuns e os anunciantes do Twitter em estado de alerta. O coração da rede social, seus participantes mais célebres, também reagiu com ênfase à perspectiva de ver um espaço que parecia relativamente seguro invadido novamente por figuras que haviam sido banidas em razão de discursos de ódio e incitação à violência, como o ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump. A atriz americana Whoopi Goldberg, por exemplo, anunciou sua debandada da plataforma durante o programa que comanda na rede ABC. “Vou sair e, se me sentir mais confortável, talvez volte”, disse ela, cujo perfil já foi desativado. Criadora de Grey’s Anatomy e outras séries de sucesso, Shonda Rhimes tuitou um dia após a venda: “Não vou ficar esperando o que Elon planejou. Tchau”.
Além disso, os usuários estão procurando alternativas ao Twitter. Muitos deles foram para plataformas usadas por jogadores de videogame, como o Discord e o Reddit. Outros estão optando pelo Mastodon, um microblog gratuito e de código aberto que estreou em março de 2016. Semelhante ao Twitter, a diferença é que as pessoas se inscrevem em servidores independentes, com regras e mediações próprias. Segundo Eugen Rochko, CEO da plataforma, 70 000 novas inscrições foram registradas no fim de outubro.
O Twitter transcende seu tamanho. Não faz frente a gigantes como Facebook, YouTube, Instagram e TikTok em termos de usuários ativos por mês. No entanto, tem o poder de amplificar discursos políticos, o que o torna ao mesmo tempo relevante e perigoso. Musk acredita que suas apostas, sempre no contrapé do senso comum, podem transformar seu novo negócio em algo revolucionário no campo das redes sociais. Principalmente por abrir espaço a todos que queiram usar da palavra. Para ele, discursos nocivos se combatem com mais discursos, numa espécie de seleção natural de conceitos. “Pode ser um tiro no pé”, diz Benjamin Rosenthal, professor de marketing digital e redes sociais da Fundação Getulio Vargas. “Sem mediação, aquilo vira uma selva.” Musk parece não se importar tanto com essa perspectiva. Por ora, o futuro do Twitter continua a ser uma grande incógnita.
Publicado em VEJA de 16 de novembro de 2022, edição nº 2815