Último Mês: Veja por apenas 4,00/mês
Continua após publicidade

O FaceApp e a velha privacidade

Punição ao Google e à Apple no Brasil por descuido com dados dos usuários no aplicativo reacende debate sobre segurança on-line

Por André Lopes Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 15h50 - Publicado em 6 set 2019, 06h30
  • Seguir materia Seguindo materia
  • Bastava tirar uma selfie e enviá-­la ao aplicativo FaceApp, devidamente baixado antes no próprio celular, para receber, em seguida, a imagem de si mesmo com o rosto envelhecido, as rugas virtuais vincando o tempo, saltando os anos em questão de segundos. Também era possível usar a foto para fazer o caminho inverso — e se ver de novo com ares de bebê. Era julho, e brincar com a idade logo se tornou viral. Centenas de milhares de pessoas, incluindo celebridades, passaram a compartilhar as suas “versões alternativas” nas redes sociais.

    Não demorou e começaram a brotar galerias de imagens do gênero “Veja estes jogadores de futebol envelhecidos” ou “Como serão estas estrelas de Hollywood quando ficarem velhinhas”. Tudo parecia — e era, de fato — muito divertido. Mas havia um lado obscuro, que não demorou a se revelar: a origem do programa que virava a idade de ponta-cabeça era a Rússia. E, bem: a mistura de russos com informações pessoais costuma dar problema. Rapidamente, veio o temor: o aplicativo poderia se transformar no novo perigo mundial da internet?

    Ainda em julho, o senador democrata americano Chuck Schumer solicitou ao FBI que fosse investigado qual era o uso dado às imagens quando elas chegavam aos servidores da empresa responsável. Naquele mesmo mês, no Brasil, o Procon pediu aos russos explicações sobre o que era feito com os dados de quem baixava o programa. Recebeu como resposta os termos que deveriam ser aceitos por quem queria instalar o app: “Os usuários disponibilizam o uso perpétuo, irrevogável, irrestrito e livre de royalties de todos os dados, que podem ser reproduzidos, modificados e distribuídos a outras empresas sem necessidade de permissão”. Foi com esse documento em mãos que, em 30 de agosto, o Procon-SP decidiu emitir duas multas, no valor total de 17,7 milhões de reais, destinadas não à desenvolvedora do app, a Wireless Lab, e sim ao Google e à Apple, responsáveis por oferecer, em suas lojas, o download do FaceApp. O motivo é que o programa em questão está em desacordo com a legislação brasileira, pois não apresenta seus termos de uso e privacidade em português — só em inglês — e coleta dados sem dar explicações claras sobre o modo como pretende utilizá-los. Isso fere o Código de Defesa do Consumidor e o Marco Civil da Internet.

    Bruno-Gagliasso-Giovanna-Ewbank-faceapp
    CASAL SÊNIOR - Giovanna Ewbank e Bruno Gagliasso: versões alternativas (//Divulgação)
    arte-apps
    (./.)

    Segundo especialistas na área, ao optar por multar os dois gigantes da web, o órgão brasileiro deu margem a um espinhoso debate no universo virtual. Pode-se compreender o porquê. É impossível que se cobre a adequação a normas locais, para cada país, dos mais de 400 000 aplicativos que são criados globalmente todos os anos. Para o advogado Adriano Mendes, especialista em direito digital, as multas direcionadas aos provedores de aplicativos são impróprias e desmedidas para o mundo virtual, que não segue as mesmas regras do mundo real. “O FaceApp coletava mais informações do que o necessário para cumprir sua função e não dizia qual a finalidade disso. No entanto, se formos aderir à multa, Facebook, Instagram e Linked­In deveriam ter o mesmo tipo de vigilância do Procon”, afirma Mendes.

    Tudo somado, pode-se dizer que, no episódio do FaceApp, o Google e a Apple pagaram o pato numa daquelas situações em que o comportamento da sociedade andou mais rápido que a legislação. A norma vigente, no Brasil e no exterior, é clara: as empresas que trabalham com programas e conteúdos de terceiros não precisam revisar o contrato do usuário a fim de verificar sua conformidade com as leis do país em questão, porque isso equivaleria a um tipo de “censura prévia”. O caminho indicado seria uma ação judicial, movida por um órgão de defesa do consumidor — como o Procon —, para a remoção do aplicativo cujos termos de uso e privacidade eventualmente desrespeitem a regra. Criar versões locais para lojas globais de aplicativos representaria um trabalho praticamente impossível se levados em conta os 5,7 milhões de apps disponibilizados por Google e Apple. Exigir um controle rígido impediria o acesso dos usuários a boa parte dos serviços oferecidos por meio dos dois gigantes do Vale do Silício. Apesar de o Brasil estar entre os cinco maiores mercados consumidores de aplicativos do planeta — 20 bilhões de downloads por ano —, sua situação é de dependente dos desenvolvedores, porque cria apenas 2,8% dos apps. Somente na China autoritária tais programas passam pelo crivo do governo — e o Google e a Apple não oferecem aplicativos por lá. Sobre o imbróglio brasileiro, a Apple nada quis comentar. O Google informou que recorrerá da multa.

    Publicado em VEJA de 11 de setembro de 2019, edição nº 2651

    Publicidade
    Publicidade

    Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

    Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

    Veja e Vote.

    A síntese sempre atualizada de tudo que acontece nas Eleições 2024.

    OFERTA
    VEJA E VOTE

    Digital Veja e Vote
    Digital Veja e Vote

    Acesso ilimitado aos sites, apps, edições digitais e acervos de todas as marcas Abril

    1 Mês por 4,00

    Impressa + Digital
    Impressa + Digital

    Receba 4 Revistas no mês e tenha toda semana uma nova edição na sua casa (equivalente a 12,50 por revista)

    a partir de 49,90/mês

    *Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
    *Pagamento único anual de R$118,80, equivalente a 9,90/mês.

    PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
    Fechar

    Não vá embora sem ler essa matéria!
    Assista um anúncio e leia grátis
    CLIQUE AQUI.