Perfis internacionais estimularam ataques do 8 de Janeiro, diz estudo
Levantamento identificou contas mais importantes na semana que antecedeu a invasão das sedes dos três poderes, em Brasília
Um estudo realizado pelo Centro de Democracia Sustentável da Universidade do Sul da Flórida revelou que parte dos posts que levaram aos ataques do 8 de Janeiro às sedes dos três poderes, em Brasília, foi publicada por perfis localizados nos Estados Unidos, no Reino Unido e na Rússia.
O levantamento mostrou que, entre os dez principais usuários do X (antigo Twitter) responsáveis por conectar grupos diferentes, três estavam nos Estados Unidos. O mais influente deles (6.000 seguidores) em Orlando, na Flórida, mesma cidade em que o ex-presidente Jair Bolsonaro estava hospedado. Os outros dois estavam em Nova Jersey e na Califórnia.
O segundo fator analisado levou em consideração a capacidade de amplificar a mensagem, de acordo com o número de compartilhamento das postagens dos usuários. Os dois mais influentes nesse ranking estavam na Rússia (49.000 seguidores) e no Reino Unido (79.000 seguidores). Além deles, duas contas americanas, ambas localizadas na Flórida, também estavam no top 10.
Os usuários, todos militantes de direita, continuam ativos na rede.
Qual a importância desse tipo de investigação?
A partir da identificação dessas contas é possível saber se um esquema parecido vier a ser orquestrado, e, eventualmente, derrubar essas contas pode ajudar a conter o espalhamento da mensagem potencialmente golpista. Para os pesquisadores, no entanto, a relevância do estudo vai além de eventos pontuais.
“Isto é importante para entender que a tecnologia de comunicação digital não tem fronteiras”, diz Joshua Scacco, líder do estudo, em entrevista a VEJA. “Precisamos pensar sobre as maneiras pelas quais essas operações de influência podem nos ajudar a entender melhor eventos como os de 6 e 8 de janeiro, e compreender os momentos em que a democracia é testada.”
Para ele, a Flórida ter aparecido nesses rankings não foi uma surpresa. ”Basta ver que quando o ex-presidente não estava mais no comando ele visitou Miami e Orlando”, diz Scacco. “Existem comunidades brasileiras muito grandes nesses lugares.”
Algo que está além das capacidades atuais das ferramentas de pesquisa, contudo, é ainda mais preocupante para o pesquisador. “Esse tipo de dado é público, mas não conseguimos ver o que estava acontecendo nos aplicativos de mensagens criptografadas – WhatsApp, Signal, Telegram – entre comunidades nos EUA e no Brasil”, diz Scacco. “Entender isso seria relevante para sabermos até que ponto a política local pode ser influenciada pelas mensagens que as pessoas recebem.”
Como o levantamento foi feito?
O levantamento rastreou os posts do X na semana que antecedeu o ataque. Os pesquisadores localizaram mensagens que utilizaram os termos Festa da Selma, #selma, ou #BrazilianSpring, utilizados pelos militantes para se referir à insurreição, em referência à palavra “selva”, usada como um grito de guerra pelo Exército brasileiro. Um algoritmo de inteligência artificial foi utilizado para retirar da análise as postagens pertencentes a robôs e, então, os perfis foram ranqueados de acordo com dois fatores:
- contas importantes para fazer a ponte entre grupos diferentes;
- usuários relevantes em amplificar a mensagem.
A primeira variável independe do número de seguidores – o morador de Orlando, por exemplo, tem hoje menos de 6 mil signatários –, mas são importantes porque fazem com que as mensagens saiam de uma bolha específica e ganhem projeção em grupos diferentes de usuários. O segundo fator está diretamente associado ao número de conexões, já que leva em consideração o número de compartilhamentos das mensagens postadas por eles.