Desde que lançou, em 1984, o Macintosh, primeiro computador pessoal de uso verdadeiramente amigável, a Apple tem mudado a sociedade com inovações que alteram até mesmo a percepção que as pessoas têm do mundo ao redor. Em 2001, ela levou a indústria fonográfica à lona com o iPod: uma nova forma de ouvir centenas de músicas em um único diminuto aparelho. O lançamento do primeiro iPhone, em 2007, e do iPad, três anos depois — com suas telas sem botões e sensíveis ao toque —, impactou a humanidade de tal forma que as crianças nascidas a partir de 2010 têm sido chamadas de geração Glass (vidro) devido à fácil assimilação da tecnologia “touchscreen” desde a tenra idade. De 2007 para cá, mais de 2,2 bilhões de unidades de iPhone foram vendidas em todo o planeta e o número não para de crescer. O próximo desafio, ao que tudo indica, terá a mesma magnitude das inovações anteriores, de imensa repercussão: oferecer ao público uma tela de smartphone maior que possa ao mesmo tempo ser transportada no bolso. Em outras palavras, uma tela dobrável.
Para alcançar a liderança também nessa família de produtos, puxada pela Samsung, Motorola e Huawei, com a Xiaomi correndo por fora, a Apple tem se desdobrado — e costura alianças improváveis. Segundo profissionais especializados em interpretar os bastidores da empresa (e eles não costumam errar, sempre muito bem informados), a companhia deu as mãos para a arqui-inimiga Samsung, que forneceria as telas. Soa estranho, mas não é. A fabricante sul-coreana é a principal fornecedora de telas do tipo OLED, que compõem o iPhone.
Lembre-se que a Samsung lançou o expansível Galaxy Fold em abril de 2019 debaixo de críticas. Muitos usuários experimentaram incidentes como rachadura na tela e problemas de conexão. As reclamações foram tantas que o então CEO da empresa, Koh Dong-jin, em ato de contrição, desculpou-se publicamente. Superadas as dificuldades, 1 milhão de unidades já haviam sido vendidas três meses depois do relançamento, sinalizando alguma adesão do público à nova tecnologia.
Nesse período, a companhia liderada pelo executivo Tim Cook não dormiu no ponto. Sabe que pode depender da Samsumg, e também da LG, na compra de telas OLED, mas montou caminho próprio de modo a dar o salto decisivo. Fontes próximas da empresa disseram a jornalistas americanos que a Apple está desenvolvendo uma versão de smartphone com uma dobradiça literalmente invisível, como mágica de Harry Potter, que faria a tela ganhar o dobro da área de um iPhone 12 Pro Max, modelo top de linha com visor de 6,7 polegadas (cerca de 17 centímetros na diagonal). Em outras palavras, quando aberto, o celular ficaria parecido com um iPad.
Para além dos problemas ligados à integridade da tela, existem outras preocupações rondando o desenvolvimento dos smartphones dobráveis, que vão desde a vida útil da bateria, menor que nos celulares existentes hoje, até uma dispendiosa adaptação do software para os novos aparelhos. Além disso, a menos que os técnicos consigam tornar o iPhone ainda mais fino, ele tenderia a ficar volumoso demais quando dobrado, algo que de fato ocorre com o Galaxy Fold — que tem quase 2 centímetros de espessura na área da dobradiça e incomoda a manipulação do usuário.
Espera-se o anúncio de novos iPhones e iPads nos próximos meses, mas a Apple, bem a seu feitio, mantém sob sigilo máximo o projeto de telas dobráveis para smartphones. O que mais se fala no mercado é de um modo wireless mais eficiente de carregamento de bateria, que eliminaria definitivamente a porta do aparelho onde é conectado o cabo para carregar. A opção por indução magnética já existe, mas é pouco explorada. Em se tratando de Apple, entretanto, é sempre bom não subestimar o efeito-surpresa. Gigante da tecnologia e campeã em marketing — tanto na capacidade de compreender os anseios das pessoas quanto no esforço contínuo de se reinventar —, a empresa criada pelo visionário e irascível Steve Jobs (1955-2011) há 45 anos tem em seu DNA a marca do fundador: a inovação. Seu faturamento no ano fiscal de 2020 foi de 274 bilhões de dólares (leia na seção SobeDesce), sinal de impressionante robustez. Superando a Amazon como a marca mais valiosa do mundo, ela provavelmente continuará na liderança por um bom tempo, com ou sem telefones dobráveis.
Publicado em VEJA de 3 de fevereiro de 2021, edição nº 2723
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