Quando o primeiro relógio inteligente da Apple foi lançado, em 2015, os fanáticos por novas tecnologias torceram o nariz. Eles não viam sentido em um aparelho que trazia praticamente os mesmos recursos oferecidos por um smartphone, mas com a desvantagem evidente de ficar preso no pulso — algo que, segundo os especialistas, soaria anacrônico para os jovens. O Apple Watch não só foi massacrado pela crítica da época como acabou condenado à extinção: os analistas cravaram que não resistiria à competição com celulares cada vez mais sofisticados. Erraram feio. Cinco anos depois, a empresa da maçã não é a única a faturar com as vendas crescentes de smartwatches. Outros gigantes do mercado de smartphones, como Samsung e Qualcomm, além da própria indústria tradicional de relógios, enxergaram nos modelos de pulso altamente tecnológicos uma oportunidade para fazer dinheiro. Com recursos tão avançados quanto os de computadores e smartphones, eles se consolidaram como símbolos da inovação, numa reviravolta surpreendente para um produto que, dizia-se, estava envelhecido e acabado.
Os números confirmam a ascensão dos smartwatches. O modelo de estreia da Apple entregou no seu primeiro ano cerca de 4,2 milhões de unidades, um resultado nada animador. Em 2019, com o best-seller Watch Series 5, saíram dos estoques 30,7 milhões de aparelhos e a expectativa é encerrar 2020 com 37 milhões relógios vendidos, o que irá garantir à Apple a liderança folgada desse mercado, com 55% de participação. Em 2021, o otimismo continua, com a previsão de 50 milhões de itens negociados. O setor vive uma onda inovadora. No início do mês, a Qualcomm lançou seus novos processadores para relógios inteligentes. Os chips prometem desempenho e economia de energia 85% maiores em relação aos modelos mais antigos, que desde 2018 não tinham um upgrade. Segundo a empresa, as melhorias se devem à adição de tecnologias usadas em celulares.
Com esses recursos, as marcas poderão avançar sobre o reinado da Apple. É o que a sul-coreana Samsung planeja com o lançamento do modelo Active 3, que terá acabamento de aço inoxidável e titânio e suporte para sensores de eletrocardiograma e pressão arterial, além dos atributos típicos dos relógios inteligentes, como giroscópio, acelerômetro e barômetro. O preço, em torno de 300 dólares, equivale aos valores médios cobrados pela Apple em seus relógios inteligentes. Em junho, o gigante americano de tecnologia Garmin juntou-se à briga pelo pulso dos clientes com a apresentação dos modelos Tactix Delta, Fenix 6S e 6S Pro. Eles contam com um diferencial: usam a energia do sol para carregar a bateria. Nesse caso, a competição não se dá no preço, já que o aparelho custa, em média, 1 300 dólares.
De uns tempos para cá, os relógios inteligentes demonstraram uma louvável vocação: a capacidade de salvar vidas. A maioria deles conta com sistemas que ajudam no monitoramento cardíaco, na mediação do stress e até na checagem do nível de oxigenação do sangue. Há relatos de aparelhos que fizeram muito mais. Nos Estados Unidos, um homem desmaiou ao praticar exercícios, e o relógio da Apple, dotado de inteligência artificial, telefonou para os serviços de emergência ao perceber que seu dono tinha sofrido uma queda brusca. Nessas ocasiões, os relógios contam com uma vantagem inquestionável em relação aos smartphones: eles ficam presos no pulso e não se espatifam no chão se houver um acidente. Considerados até pouco tempo atrás quase aposentados, os relógios de pulso provaram que, em se tratando de novas tecnologias, o tempo não para nunca.
Publicado em VEJA de 22 de julho de 2020, edição nº 2696