Em 1976, quando Steve Jobs e seu parceiro Steve Wozniak fundaram a Apple, o mercado de computadores era bem diferente. Os produtos seduziam apenas alguns aficionados, que compravam as placas-mãe em lojas especializadas e montavam as máquinas com as próprias mãos. Não havia ainda um conceito de computador pessoal, completo, como conhecemos hoje em dia. Jobs foi pioneiro em mudar o cenário. Conta a lenda que o protótipo do Apple II, o primeiro computador integrado da empresa — com monitor e teclado inclusos —, foi testado na sala de conferências de um hotel na Filadélfia, tarde da noite. Woz, o gênio por trás das máquinas iniciais da Apple, queria ver se o seu novo chip funcionaria na TV de projeção, parecida com uma tela de cinema. Plugou o aparelho e as cores tomaram a tela. A única testemunha do feito, um técnico do hotel, disse que havia visto todas as máquinas expostas na feira de computadores que ocorria na cidade e aquela era a única que compraria. Meses depois, o Apple II seria responsável por uma revolução no mercado de tecnologia. A anedota, contada na biografia de Steve Jobs escrita por Walter Isaacson, ilustra a mística envolvendo a Apple e sua longa trajetória de grandes feitos. Agora, o computador revolucionário será listado em um dos maiores leilões envolvendo equipamentos da empresa.
São cerca de 500 itens que pertenciam à coleção particular de Hanspeter Luzi, professor suíço que trabalhava com crianças com necessidades especiais. Seus métodos de ensino incluíam o uso de computadores pessoais, e ao longo dos anos Luzi reuniu uma amostra bastante completa da história da Apple. Alpinista amador, Luzi morreu em 2015 em um acidente durante a prática de montanhismo. Entre os itens que o professor reuniu estão versões do Lisa, pioneiro aparelho que oferecia uma interface gráfica para os usuários, além de algumas unidades do Macintosh, o revolucionário modelo desktop, com monitor e sistemas integrados em um módulo único, que acompanhava um mouse. Lançado em 1984, ajudou a disseminar de vez a noção do computador de uso pessoal. Há equipamentos mais recentes, como uma variedade de iMac G3, com seus gabinetes em cores neon. Os lances serão feitos no dia 30 de março, e algumas peças raras devem ser arrematadas por alguns milhares de dólares.
O leilão realizado pela casa Julien’s, da Califórnia, não é o único do tipo. Há duas semanas, outro certame, feito pela RR Auction, ofereceu, além de aparelhos antigos, itens pessoais de Jobs, como seu cartão de visita, arrematado por pouco mais de 6 000 dólares, e um manuscrito com instruções técnicas datado de 1971, vendido por 12 000 dólares. O lance mais surpreendente foi para um iPhone da primeira geração, ainda na caixa: exatos 54 904 dólares. Em fevereiro, outro smartphone do mesmo tipo, lançado em 2007 e também lacrado, foi arrematado por 63 000 dólares.
As peças atraem enorme interesse não apenas por sua importância na história da tecnologia, mas por oferecer uma conexão direta com o fundador da empresa, idolatrado pela genialidade e espírito visionário. “Steve Jobs e a Apple Computer, como marca global, mudaram para sempre a forma como nos comunicamos, tanto pessoal quanto profissionalmente”, afirma Bobby Livingston, vice-presidente executivo da RR Auction. “Os compradores, em geral, cresceram usando esses itens ou se conectam com eles emocionalmente”, completa o especialista. Além da óbvia relevância pelo que representou e continua representando para a tecnologia, a Apple conseguiu um feito raríssimo: criar uma marca que efetivamente mudou o mundo. “O progresso vem não só em grandes passos, mas também em centenas de pequenos passos”, escreveu o biógrafo Walter Isaacson. Jobs, como poucos na história, sabia disso como ninguém.
Publicado em VEJA de 29 de março de 2023, edição nº 2834