Em 2012, o cofundador do Google, Sergey Brin, disse que estaríamos andando de carros totalmente autônomos em, no máximo, cinco anos. Pouco tempo depois, Elon Musk, fundador da Tesla, previu que sua empresa teria uma frota de 1 milhão de robotáxis até 2020. O futuro chegou, mas os veículos capazes de se locomover sem interferência humana permanecem sendo uma miragem no retrovisor. Projetos foram cancelados pelas grandes fabricantes, startups especializadas no ramo faliram e tecnologias empacaram nos laboratórios de inovação. E o que era para ser uma revolução virou uma grande derrapada.
O setor começou a pisar no freio em outubro passado, quando a desenvolvedora americana Argo anunciou que fecharia as portas. Não resistiu aos cortes feitos por seus dois principais investidores, a Ford e a Volkswagen, que interromperam um ciclo de desembolsos previsto em 4,6 bilhões de dólares. O CEO da Ford, Jim Farley, explicou a decisão dizendo que “veículos totalmente autônomos e lucrativos estão muito distantes da realidade”. Também recentemente, a Mobileye, braço de veículos autônomos da Intel, fez uma oferta pública de ações por menos da metade do valor esperado. Para completar, há alguns dias a Apple informou que sua meta de lançar no mercado um automóvel 100% robotizado, sem direção nem pedais, foi adiada.
Afinal, o que deu errado? Uma explicação óbvia é a dificuldade para criar sistemas completamente seguros. “O aumento dos acidentes envolvendo autônomos mostra que a indústria, pelo menos por ora, falhou em desenvolver modelos de inteligência artificial plenamente confiáveis”, afirma Eduardo Tancinsky, consultor especializado em tecnologia. “Os humanos ainda são a peça mais importante na condução de um automóvel.” Os carros autônomos que circulam nas ruas enquadram-se nos parâmetros mais baixos de automação (são seis níveis, sendo o mais alto aquele no qual o automóvel tem controle absoluto sobre a viagem). Pois mesmo nesses casos, nos quais os dispositivos executam apenas pequenos serviços, os acidentes são frequentes.
Basta dar uma espiada nas estatísticas de trânsito para entender a gravidade da situação. De acordo com a Administração Nacional de Segurança de Tráfego Rodoviário dos Estados Unidos (NHTSA, na sigla em inglês), os carros que adotam tecnologia de direção autônoma envolveram-se em 367 acidentes no país de julho de 2021 a maio de 2022, com veículos da Tesla respondendo por 273 das ocorrências. No período, dezoito pessoas perderam a vida em decorrência de falhas no piloto automático dos automóveis fabricados pela empresa de Elon Musk. Outro levantamento, da consultoria Carsurance, constatou que os autônomos têm duas vezes mais chance de registrar um acidente do que veículos tradicionais. Na China, onde a corrida por essa tecnologia é liderada pela Baidu, colisões de autônomos são bastante comuns. Algumas anomalias parecem prosaicas. Em San Francisco, nos Estados Unidos, os autônomos da Waymo, subsidiária do Google, dirigem-se sempre para a mesma rua, embora não tenham sido programados para isso.
As cidades representam um desafio adicional de segurança. “Os ambientes urbanos têm um grande número de atores que não são carros”, lembrou Jay Gierak, diretor da empresa de tecnologia Ghost Autonomy. “Existem todos os tipos de pedestres e ciclistas, e essas pessoas são imprevisíveis. É difícil para os autônomos saber o que elas podem fazer a qualquer momento.” O cérebro humano, por seu lado, prevê comportamentos a partir de pistas visuais. Se um senhor de 80 anos está ao lado de um adolescente à espera do sinal verde para atravessar, os motoristas reais intuem que o idoso perderá mais tempo para cruzar a via. Por mais inteligentes que sejam, as máquinas ainda não fazem tal distinção. Embora o objetivo final dos autônomos seja tornar os seres humanos apenas passageiros, a realidade provou que esse horizonte ainda está distante.
Publicado em VEJA de 14 de dezembro de 2022, edição nº 2819