Archibald Low (1888-1956), um excêntrico cientista militar britânico, tinha um plano para poupar a vida dos pilotos ingleses nas primeiras batalhas aéreas da I Guerra Mundial. Ele projetou, em 1916, uma engenhoca voadora carregada de explosivos com o objetivo de atacar os zepelins alemães que bombardeavam a costa da Inglaterra. Detalhe: sem tripulação a bordo. Feito de madeira e estanho, o monoplano com asa surrupiada de uma aeronave, hélice superdimensionada e motor de 35 cavalos era controlado por rádio. O “pequeno avião esquisito”, como a invenção foi descrita na época, frustrou Low e os altos escalões oficiais no voo de teste: disparou, deu uma volta e caiu a metros do caminhão que o lançou feito catapulta. Apesar do fracasso, o professor tinha certeza de que aquilo poderia revolucionar um dia o campo de batalha. Ele havia criado o antepassado de um drone.
Os veículos aéreos não tripulados se tornaram, no século XXI, um dos principais instrumentos de estratégia militar. Estima-se que só os Estados Unidos tenham feito, entre 2008 e 2012, 145 ataques na Líbia, 48 no Iraque e mais de 1 000 no Afeganistão com esses dispositivos. Russos e ucranianos têm usado o recurso. Mas, assim como o micro-ondas e o GPS, que também brotaram do mundo bélico, os drones ultrapassaram as fronteiras originais. Com a expansão da tecnologia, indústrias passaram a enxergar neles ferramentas para fins pacíficos, seguros e lucrativos. Muito além de um brinquedo que caiu nas graças da população, esses aparelhos estão, pouco a pouco, ganhando ares em outros setores da economia.
Um dos principais é a agricultura. Drones começam a ser popularizados para monitorar as lavouras, gerenciar a irrigação e pulverizar produtos para controle de pragas. Equipados com câmeras de alta resolução e sensores, fornecem imagens aéreas em tempo real, que ajudam a avaliar problemas e a otimizar recursos. No Brasil, a ModelWorks, startup sediada em São Carlos, no interior paulista, acaba de lançar uma máquina especialmente desenvolvida para a pulverização de insumos e pesticidas. Fora a vantagem da precisão, a tecnologia promete segurança aos produtores e zelo com o ambiente. “O potencial de redução no consumo de água chega a até 80%”, diz Henrique Moritz, cofundador da startup. “Com o maior controle da aplicação, também eliminamos o risco de contaminação das áreas vizinhas.”
Outros segmentos buscam decolar com ideia semelhante. O laboratório de análises clínicas Hermes Pardini inaugurou a primeira rota de transportes de amostras biológicas por meio de drones na região metropolitana de Belo Horizonte. No primeiro momento, serão conduzidos apenas materiais não contaminantes, como testes do pezinho e fios de cabelo para investigações toxicológicas. O segundo passo é ampliar para exames de sangue e afins. “Já estamos pleiteando autorização para transportar materiais biológicos de outras categorias para que possamos beneficiar o acesso a métodos de diagnóstico, especialmente em áreas remotas ou de difícil acesso”, diz Cleber Miranda, gerente de logística do Hermes Pardini, que utiliza equipamentos da Speedbird Aero.
Entregas com drones deixaram de ser peça de ficção científica futurística, mas, sob a perspectiva da larga escala, ainda esboçam voos tímidos na realidade. Em 2013, Jeff Bezos, o CEO da Amazon, previa que as pequenas naves levariam pasta de dente e comida de gato para as casas dos americanos em cinco anos. A profecia não se cumpriu, embora testes e experimentos aconteçam dia após dia, envolvendo outros líderes do delivery, como a iFood. Há desafios estruturais, técnicos e logísticos à vista: os drones atuais costumam carregar poucos pacotes por vez e necessitam de pontos específicos para reabastecer. Difícil bater de frente com motos, carros e furgões. Mas a inovação nesse departamento não para. Os veículos aéreos não tripulados têm boas chances de cruzar novos ares — em tempos de guerra ou de paz.
Publicado em VEJA de 21 de Junho de 2023, edição nº 2846