Um jovem acometido por uma doença degenerativa, uma família devastada, um jogo de videogame online e uma comunidade gamers de vários países. Esses elementos compõem o documentário A Extraordinária Vida de Ibelin, que estreou recentemente na Netflix. Exibido pela primeira vez no Sundance Film Festival, em janeiro, valeu a Benjamin Ree o prêmio de direção na seção World Cinema e também o Prêmio de Público na categoria documentário.
O filme conta a história de Mats Steen (1989-2014), um jovem norueguês que, apesar de ter sua vida física limitada por uma distrofia muscular degenerativa, encontrou no mundo virtual de World of Warcraft, jogo online e multiplayer de fantasia medieval que completou 20 anos este mês, um espaço para conectar-se com outras pessoas e construir amizades profundas. A jornada de Mats é contada por meio de seu personagem no jogo, Ibelin, revelando a riqueza de sua vida online e o impacto duradouro que ele deixou em seus amigos virtuais.
Diagnosticado com Distrofia Muscular de Duchenne (DMD) ainda jovem, Mats passou a usar cadeira de rodas e a dedicar grande parte de seu tempo ao World of Warcraft, onde criou Ibelin, um investigador particular inspirado no personagem de Orlando Bloom no filme Cruzada. O que seus pais, Robert e Trude Steen, não sabiam era a profundidade das relações que Mats cultivava online, e a importância que o jogo tinha em sua vida. “Começamos a entender que havia pessoas por trás desses avatares”, diz a esposa de Robert, Trude, mãe de Mats. “Não é apenas um jogo que você joga por diversão, na verdade são seres humanos que gostam do nosso filho, e eles interpretam, e se divertem.”
Após a morte
A descoberta do blog de Mats após sua morte, aos 25 anos, abriu os olhos de seus pais para a vibrante comunidade que ele fazia parte. Mensagens de condolências e histórias sobre Ibelin inundaram a caixa de entrada de Robert, revelando um lado de Mats que eles desconheciam. Através dessas mensagens, Robert e Trude perceberam que o jogo não era apenas um passatempo para seu filho, mas um universo onde ele podia se conectar com outras pessoas de forma genuína, sem as barreiras impostas por sua condição física.
O diretor Benjamin Ree, que conhecia a família Steen, se interessou pela história e propôs a produção de um documentário. A princípio, Robert questionou a viabilidade do projeto, já que o material visual disponível se limitava a fotos e vídeos caseiros. No entanto, Ree descobriu um verdadeiro tesouro: um arquivo de 42.000 páginas com transcrições de diálogos, descrições de ações e emoções, e diários de personagens, meticulosamente arquivados por Mats e seus amigos. Esse material forneceu a base para a reconstrução da vida de Ibelin no filme.
“Houve várias coisas que me fizeram conectar com isso”, diz o cineasta, em depoimento público. “A história de tristeza, a diferença de gerações, o estigma dos jogos e a maioridade de Mats dentro do jogo. Eu joguei muitos dos mesmos jogos que ele enquanto crescia e senti que a história de Mats dizia algo sobre nossa geração.”
Para dar vida ao mundo virtual de World of Warcraft, Ree contratou animadores especializados no jogo, que utilizaram modelos 3D disponíveis online para recriar os cenários e personagens com fidelidade. As animações, inspiradas nos registros detalhados de Mats e seus amigos, retratam com sensibilidade a maneira como eles interagiam e se expressavam no jogo.
Autenticidade
A produção do filme foi um processo colaborativo, envolvendo os amigos de Mats, que ajudaram a garantir a autenticidade das animações, e a Blizzard Entertainment, detentora dos direitos autorais de World of Warcraft. A empresa, inicialmente não envolvida na produção, autorizou o uso do jogo após assistir ao filme e se emocionar com a história de Mats.
A Extraordinária Vida de Ibelin vai além de um simples documentário sobre um gamer. É uma história sobre amizade, superação e a busca por conexão humana em um mundo cada vez mais digital. É um testemunho comovente da capacidade humana de encontrar significado e propósito, mesmo diante de adversidades.