Cineasta brasileiro investe em novas narrativas e tecnologias
Diretor do recém-lançado 'O Pastor e o Guerrilheiro', José Belmonte lança podcast com histórias de gênero, reunião de curtas no Instagram e aposta em games
No início dos anos 2000, o cineasta brasileiro José Belmonte expôs uma ideia a um grupo de amigos de Brasília que também trabalhavam com audiovisual. Na época, o diretor do recém-lançado O Pastor e o Guerrilheiro queria montar um site no qual as pessoas pudessem compartilhar vídeos e subir na rede trechos de filmagens caseiras antigas. O YouTube só seria lançado em 2005 e as plataformas de streaming ainda eram uma quimera no mundo digital. “O meu projeto tinha até nome, ia se chamar guerrilha eletrônica, era uma espécie de TV digital”, disse ele a VEJA. “Falaram para mim que não ia dar certo e eu desisti, mas me arrependo profundamente!”
Curioso e interessado em tecnologia, Belmonte expandiu suas experiências narrativas enquanto lança filmes e dirige novos projetos numa velocidade invejável para os padrões do audiovisual brasileiro — só no ano passado estrou três longas-metragens nos cinemas e comandou dois sets de filmagem. Entre suas experiências mais recentes, está Pandemic Stories, uma antologia de curtas de ficção, ou autoficção, filmados com celular em formato de stories sobre mulheres em mudança em meio à pandemia. Foi rodado nos EUA, Japão, Austrália, Espanha, Brasil, e deve ser lançado no fim do ano, no Instagram. Há ainda um podcast e dois projetos de videogame.
Com um teaser lançado recentemente no perfil @pandemicstories_fiction, o projeto nasceu quando Belmonte leu sobre um filme de terror, no estilo metragem perdida, que tinha sido feito para a plataforma de vídeos curtos Snapchat. Ao mesmo tempo, um amigo lamentou que os filhos estava preferindo se conectar aos aplicativos nos celulares do que frequentar as sala de cinema. De inicio, a ideia era fazer um filme de gênero misturando terror, ação e aventura. Mas o contato com uma amiga que morava em Nova York o fez mudar de ideia. “Ela começou a passar por dificuldades porque o senhorio estava pedindo o apartamento onde ela vivia”, conta ele.
Em contato com a atriz Patrícia Marjorie, Belmonte pediu que ela filmasse seus movimentos em Manhattan, criando um personagem e alimentando-o com sua realidade. “Ela começou a fazer umas abordagens na rua, procurando apartamento”, conta ele. “E esse virou o primeiro filme.” Logo depois, surgiram mais quatro histórias, curiosamente protagonizadas por outras mulheres em outras partes do mundo: Mariana Badan (Portugal), Ana Chiesa (Japão), Mônica Nêga (Brasil) e Manuela Pinheiro Rêgo (Austrália). “Todas elas documentando a realidade dos deslocamentos, de cada ambiente e o grande drama da pandemia”, disse o cineasta.
Nas próximas semanas, Belmonte deve estrear um podcast, ainda sem título. São várias histórias sobre o universo fantástico inspiradas na peça radiofônica A Guerra dos Mundos, narrada por Orson Welles, que causou pânico nos ouvintes da rádio CBS, em 1938, nos Estados Unidos. Os relatos são feitos por um narrador, com intervenções ocasionais de outros atores e atrizes. Natália Lage e Rosanne Mulholland fazem parte do elenco. Já o roteiro conta com o cineasta e produtor, Simone Campos, Carlos Marcelo de Carvalho e a própria Mulholland, que marca sua estreia como escritora.
Além de tudo isso, Belmonte está experimentando na narrativa dos games. São os projetos mais embrionários porque, diz o cineasta, os roteiros são mais trabalhosos e o investimento é muito maior. As possibilidades envolvem cenários brasileiros, com mundos abertos e segunda vida. A ideia é ambientar um deles na Amazônia contemporânea, em territórios de povos originários. E o outro em comunidades nas periferias de grandes centros. “É uma oportunidade porque, hoje em dia, com as possibilidades tecnológicas, as pessoas estão interessadas, além das narrativas, nas possibilidades interativas que se pode criar”, afirma ele.
Belmonte disse ter testemunhado a transição do cinema analógico para o digital. Com isso, diz ele, o conceito do que é cinema se tornou muito elástico. A revolução digital tornou esse conceito mais fluido. O audiovisual se tornou uma coisa cotidiana. A forma de ver mudou muito radicalmente, ficou mais fragmentado, mais individualizada. “Hoje, todo mundo tem uma câmera”, completa ele. “Todo mundo registra tudo e cria sua própria narrativa.”