Os carros voadores não são mais uma quimera de livros e filmes de ficção científica futurista. Na verdade, a versão real desses veículos, chamados tecnicamente de “eVTOL”, acrônimo do inglês para “electric vertical take-off and landing” (em tradução livre, aeronaves elétricas de decolagem e pouso vertical), fica no meio do caminho entre o drone e o helicóptero. No momento, estão entre os projetos mais ambiciosos e cultivados por empresas automobilísticas e fabricantes de aviões pelo mundo — inclusive no Brasil. Na semana passada, em Las Vegas, a montadora de automóveis franco-ítalo-americana Stellantis anunciou na feira Consumer Electronics Show 2023 (CES 2023) a ampliação da parceria com a startup Archer Aviation para construir sua própria versão, chamada de Midnight.
O acordo entre as empresas segue uma tendência que se intensificou no setor de transporte. Vários desenvolvedores de aeronaves elétricas precisam de capital e experiência em manufatura para levar seus produtos ao mercado e começar a transportar passageiros pelas cidades ou para os aeroportos. As montadoras são úteis, ao garantir a manutenção de sua relevância em um mundo dominado por soluções sustentáveis. Uma medida de grandeza da aposta está no dinheiro investido pela fabricante automotiva na startup de aviação nessa segunda rodada: 150 milhões de dólares, o dobro do valor injetado há dois anos.
Além da parte financeira, a Stellantis contribuirá com tecnologia de fabricação avançada e pessoal capacitado. Com isso, a Archer poderá se dedicar à comercialização, evitando gastos de centenas de milhões de dólares durante a fase de aumento da produção. Por isso, a primeira etapa do acordo prevê a construção de uma fábrica em Covington, no estado americano da Geórgia, que deve começar a operar em 2024. Com espaço para quatro passageiros e um piloto, o Midnight tem autonomia de 160 quilômetros, mas foi projetado para percorrer trechos de cerca de 30 quilômetros, com aproximadamente dez minutos de recarga das baterias entre os voos.
Na apresentação da CES 2023, o CEO da Stellantis, o português Carlos Tavares, mencionou que a “liberdade de mobilidade” estaria em risco no mundo ocidental, o que justificaria o investimento na Archer e no Midnight. O raciocínio de Tavares remete ao fato de que muitas metrópoles proíbem a circulação de carros em razão da poluição por combustíveis fósseis e o consequente aquecimento global.
O interesse por novos caminhos de mobilidade urbana — e por que não tirá-los do chão ou do subterrâneo, dos metros? — é movimento que não para de crescer, em um mercado avaliado em centenas de bilhões de dólares. Toyota e Joby Aviation, Mercedes-Benz e Volocopter, Hyundai e Honda estão entre as empresas empenhadas em projetar seus próprios modelos, em voos-solos ou parcerias (veja o quadro). No Brasil, a Embraer puxou a fila da inovação, com a subsidiária Eve Air Urban Mobility, que pretende fabricar o seu próprio eVTOL e vendê-lo até 2026.
O veículo, que já tem 2 000 unidades encomendadas, será movido a bateria, com capacidade para transportar quatro passageiros, além do piloto, por uma distância de até 100 quilômetros. No fim do ano passado, o BNDES anunciou investimento de 490 milhões de reais no projeto da Eve. “É uma realidade que vai chegar”, disse a VEJA Fernando Martini Catalano, professor de aeronáutica da Escola de Engenharia de São Carlos da USP. “Logo veremos pontos específicos de decolagem e aterrissagem desses veículos nos aeroportos.” Com preços acessíveis, segurança, regulamentação e certeza de respeito ao ambiente, não há razão para frear o futuro.
Publicado em VEJA de 18 de janeiro de 2023, edição nº 2824