Em 2011, Victor e Arthur Lazarte decidiram largar o emprego — em um banco e em uma consultoria de investimentos, respectivamente — para fundar, com 100 dólares, a startup Wildlife, destinada à criação de jogos eletrônicos para smartphones e tablets. Os dois engenheiros paulistanos, irmãos com 25 e 27 anos na época, rascunharam os primeiros games a ser desenvolvidos e o modelo de negócios em um escritório improvisado na cozinha da casa dos pais. A estreia foi com Bike Race (em inglês, corrida de motos), cujo nome dispensa explicações. A brincadeira deu certo, ganhou velocidade e decolou. Com oito anos de vida, mais de 2 bilhões de downloads e um catálogo de setenta games, alguns dos quais reproduzem ideias de típicas máquinas de cassino, aquele embrião que nasceu na frente do fogão doméstico se transformou em um belo unicórnio — como são chamadas, na gíria da indústria que se estabeleceu na Califórnia (EUA) e depois se espalhou pelo planeta, as startups que, coisa rara, atingem valor de mercado de ao menos 1 bilhão de dólares.
Os irmãos, ressalve-se, foram além do bilhão. No último dia 5, logo depois da primeira rodada aberta a investidores, a Wildlife recebeu a suntuosa avaliação de 1,3 bilhão de dólares (um recorde para a estreia de uma empresa nacional). Qual foi a estratégia para chegar a tal patamar? Explica Victor Lazarte: “Ninguém pensava em jogos para celular no começo da década. Percebemos a chance e queremos ser para os smartphones o que foi a Nintendo para os videogames”. Em outras palavras: eles souberam como caminhar para ocupar o novo terreno.
E estão próximos da meta: a Wildlife se destaca entre as dez maiores empresas do ramo em todo o planeta, com um quadro de 500 funcionários e escritórios em quatro países. Victor mora em São Francisco, na Califórnia; Arthur continua em São Paulo. A dupla costura animadamente os aportes financeiros que a fizeram grande. Para alcançar o bilhão unicorniano, seria preciso mostrar competitividade. No dia em que ficou famosa mundialmente, a Wildlife amealhou 60 milhões de dólares do fundo americano Benchmark, um dos mais renomados do mercado — grupo por trás de ícones do setor como Twitter, eBay e Uber. “Conseguir 60 milhões parece muito, mas não é tanto para a nossa empresa”, diz Victor. “O mais relevante foi receber o reconhecimento da indústria.”
CATÁLOGO – A desenvolvedora criou setenta títulos, com mais de 1 bilhão de adeptos em todo o mundo. Uma lista dos mais bem-sucedidos: Bike Race (no topo), o primeiro produto da empresa; Sniper 3D (acima), que chegou a ser o jogo de tiro mais popular de smartphones; e, à direita, Tennis Clash, novidade que se destacou entre os dez games mais baixados em 100 países
As fronteiras da Wildlife têm tudo para se expandir ainda mais. O potencial é enorme: jogos para smartphones faturam 70 bilhões de dólares por ano, o que representa quase metade de toda a indústria de videogames. Dentro dessa fatia, produtos da Wildlife, como os recentes Tennis Clash e Zooba, tornaram-se campeões entre os aplicativos mais baixados em cerca de 100 países. A startup paulistana conquistou a adesão de 1 bilhão de jogadores em todo o planeta.
“O Brasil se encontra hoje numa posição avançada em termos de investimentos. Podemos ter segurança de assinar cheques gordos, destinados a empresas que ainda estão em estágios iniciais”, afirmou o boliviano Marcelo Claure, CEO do braço da japonesa SoftBank responsável por gerir o maior grupo de investimentos em startups do mundo (com uma ampla gama de negócios no Brasil), em entrevista recente a VEJA. Até janeiro de 2018, quando a 99, de táxis, foi comprada pela chinesa Didi Chuxing, e se tornou a pioneira do clube das startups bilionárias do país, não existiam no Brasil os tais animais, exclusivíssimos, de um único chifre. Com a Wildlife, já são dez os unicórnios brasileiros. Para essa turma, crise é oportunidade, e uma expressão soa inexistente ou longínqua: game over.
Publicado em VEJA de 18 de dezembro de 2019, edição nº 2665