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À prova do tempo: em reedições, relógios clássicos ganham força

Como as empresas mantêm vivos modelos que soavam obsoletos

Por André Sollitto Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 10h07 - Publicado em 23 jul 2023, 08h00
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  • Era inevitável, questão de anos, meses, dias, horas, minutos ou segundos. Quando os smartphones vieram ao mundo, os relógios de pulso pareciam estar destinados ao limbo. Afinal, bastaria olhar para a tela dos aparelhos, que não apenas mostravam a hora com exatidão, mas realizavam diversas outras funções. Não foi o que aconteceu — e as notícias de morte dos clássicos objetos soaram exageradas.

    Sobreviveram, até que se anunciou um segundo falecimento. Os smartwatches, os relógios inteligentes que mostram mensagens, contam os passos e podem até fazer um eletrocardiograma, representariam nova e definitiva derrocada de seus irmãos mais velhos. Não necessariamente, embora tenham se espalhado com velocidade. Há reação, e o pulso ainda pulsa, como diria Arnaldo Antunes.

    arte relógio

    A vanguarda da contrarrevolução é liderada pela fabricante japonesa Casio, fundada lá na pré-história, em 1946. Graças a modelos de design atemporal, sabe-se agora, e ao apelo crescente entre as gerações mais novas, a empresa ajudou a tornar o relógio uma forma de expressão de estilo, muito mais do que uma ferramenta para medir o tempo com precisão. Foi um passo inesperado e celebrado.

    Os primeiros modelos, nos anos 1970, tinham caixa de resina, mostrador digital e algumas funções básicas, mas úteis, como alarme e cronômetro. “A Casio foi uma das primeiras marcas asiáticas a bagunçar o monopólio das fabricantes suíças, oferecendo equipamentos de boa qualidade e acessíveis”, diz Mariana Cerone, professora do hub de moda e luxo da ESPM. Em 1983, despontaria a linha G-Shock (veja no quadro), que se tornaria carro-chefe nas décadas seguintes. O lançamento de uma peça dita como indestrutível, forte e firme, inventou um caminho, ao abrir uma avenida então inexistente.

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    OSTENTAÇÃO - A socialite Kim Kardashian e o rapper Pharrell Williams: eles usam e os fãs correm atrás de modelos cobiçados
    OSTENTAÇÃO - A socialite Kim Kardashian e o rapper Pharrell Williams: eles usam e os fãs correm atrás de modelos cobiçados (Bauer-Griffin/GC Images/Instagram)

    O engenheiro Kikuo Ibe já trabalhava para a Casio quando viu o relógio mecânico que havia recebido de presente do pai cair no chão e se espatifar. Decidiu, então, desenvolver um modelo capaz de aguentar uma queda de 10 metros, ter uma resistência à pressão da água de 100 metros de submersão e uma bateria que durasse dez anos. Foram duas centenas de protótipos até que Ibe teve a ideia de isolar o movimento do relógio, a peça principal, dentro de um sistema à prova de impactos. A ideia veio ao ver uma criança brincando com uma bola de borracha. O primeiro G-Shock foi lançado há exatos quarenta anos, e desde então se tornou um fenômeno de vendas. Em 2017, a divisão de relógios ultrarresistentes bateu 100 milhões de vendas. O estilo “parrudo” dos relógios G-Shock conquistou celebridades, como a empresária Kim Kardashian e o rap­per Pharrell Williams, flagradas com os modelos japoneses no pulso, de modo ostensivo. “Apesar de serem ótimos produtos, os relógios inteligentes são limitados a um único formato”, disse Ibe a VEJA. “Com nossos relógios, há uma enorme variedade de cores e formatos. E as pessoas usam isso para mostrar ao mundo quem são.”

    O engenheiro Kikuo Ibe, criador do G-Shock, com uma variação do modelo original -
    O engenheiro Kikuo Ibe, criador do G-Shock, com uma variação do modelo original – (JB Lacroix/Getty Images)
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    A longevidade ancorada no estilo se explica, em parte, pela nostalgia, uma necessidade humana, demasiadamente humana. Afinal, embora a Casio tenha lançado inúmeros modelos ao longo dos anos, há uma clara preferência do público pelas versões retrô. “As marcas entenderam que é possível usar a nostalgia para cativar o público que é economicamente ativo hoje”, diz Cerone. Quem foi jovem nos anos 1980, por exemplo, compra hoje reedições dos modelos clássicos de outrora. Olhar para o catálogo e relançar sucessos de outras épocas, portanto, virou estratégia — que muitas outras empresas, além da Casio, seguem regiamente. A americana Timex, conhecida por seus relógios acessíveis, também tem posto nas prateleiras alguns modelos antigos. Até mesmo marcas de alto luxo revisitam itens populares em anos anteriores com nova roupagem. E fica decretado que marcar horas é fundamental, mas não é tudo. Vale lembrar uma bonita frase do poeta gaúcho Mario Quintana (1906-1994), que sabia das coisas e das sutilezas das andanças da existência: “Amigos, não consultem os relógios quando um dia eu me for de vossas vidas… porque o tempo é uma invenção da morte: não o conhece a vida — a verdadeira — em que basta um momento de poesia para nos dar a eternidade inteira”.

    Publicado em VEJA de 26 de julho de 2023, edição nº 2851

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