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Ser perfeccionista pode trazer sérios prejuízos à saúde

Vários estudos revelam que a alta exigência com o próprio desempenho pode causar transtornos psicológicos, como depressão e ansiedade

Por Da Redação
Atualizado em 11 jun 2018, 19h48 - Publicado em 11 jun 2018, 19h03

Nas últimas décadas houve aumento significativo nos índices de perfeccionismo entre universitários recém-formados, indica estudo realizado pelas Universidades York St. John e Bath, no Reino Unido.

Outra pesquisa realizada pela Universidade de West Virginia, nos Estados Unidos, indica que duas em cada cinco crianças e adolescentes são perfeccionistas. “Estamos começamos a falar sobre como caminhamos para um caso de epidemia em saúde pública”, disse Katie Rasmussen, autora do estudo e pesquisadora do desenvolvimento infantil e sua relação com o perfeccionismo, à BBC.

Os resultados de ambas as pesquisas apontam para uma população que não é melhor sucedida apesar de buscar a perfeição, mas que está ficando cada vez mais doente. Isso porque essa tendência está associada a uma série de condições clínicas preocupantes como: depressão e ansiedade (mesmo em crianças), automutilação, transtorno de ansiedade social e agorafobia, transtorno obsessivo-compulsivo (TOC), compulsão alimentar, anorexia, bulimia, estresse pós-traumático, síndrome de fadiga crônica, insônia, colecionismo, dispepsia, dores de cabeça crônicas e, em casos extremos, mortalidade precoce e suicídio.

“É algo que passa por tudo em termos de problemas psicológicos. Não há muitas outras condições que fazem isso. Há estudos que sugerem que, quanto mais perfeccionista, mais transtornos psicológicos você vai sofrer”, comentou Sarah Egan, pesquisadora da Universidade Curtin, na Austrália, especializada em perfeccionismo, distúrbios alimentares e ansiedade.

Perfeccionismo: elogio ou não?

Alguns pesquisadores qualificam o perfeccionismo em dois tipos: o perfeccionismo adaptativo (ou saudável), caracterizado pelo alto padrão, motivação e disciplina, e o mal-adaptativo (ou nocivo), quando o indivíduo nunca está satisfeito com o próprio desempenho e fica extremamente frustrado quando não atinge metas. Pesquisas apontam também para o fato de que aspectos da forma “nociva” tornam as pessoas mais vulneráveis à depressão, enquanto o perfeccionismo “saudável” pode proteger o indivíduo.

Em 2016, a pesquisa realizada pelas Universidades York St. John e Bath constatou que as pessoas que estipulam parâmetros elevados – sejam atletas, trabalhadores ou estudantes – apresentam apenas uma pequena ou nenhuma vantagem na comparação com aquelas que não determinam. Já indivíduos que manifestam o perfeccionismo mal-adaptativo sofrem significativamente mais burnout (ou esgotamento).

“Existe uma ideia de que, em alguns casos, o perfeccionismo pode ser saudável e desejável. Com base nos sessenta estudos que fizemos, achamos que isso é um mal-entendido. Trabalhar duro, ser comprometido, diligente e assim por diante, são todas características desejáveis. Perfeccionismo não é adotar padrões altos. É estabelecer padrões irreais. Não é um comportamento. É a maneira como você pensa sobre si mesmo”, explicou Andrew Hill, co-autor do estudo.

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Perfeccionismo X Conscienciosidade

Segundo especialistas, o que muitas pessoas consideram perfeccionismo “saudável” é, na verdade, conscienciosidade, caracterizado pelo ato de ser meticuloso, responsável e honesto no que diz respeito às regras éticas sociais.

Para eles, o perfeccionismo não é definido pelo estabelecimento de metas elevadas ou pelo grau de empenho no trabalho. É uma voz crítica interior, que atual nos aspectos mais variados da vida do indivíduo e faz com que ele sempre pense no fracasso ao não atingir uma meta. “Perfeccionistas e não perfeccionistas podem parecer iguais à distância e por um curto período de tempo. Mas à medida que você se aproxima e os observa no longo prazo, vê que as pessoas conscienciosas têm mais jogo de cintura para lidar com as situações quando algo dá errado. Perfeccionistas sentem cada solavanco na estrada. São muito sensíveis ao estresse”, esclareceu Hill.

Perfeccionismo e desistência

Durante um experimento realizado durante o estudo, a equipe de Hill descobriu que os perfeccionista tendem a ficar muito frustrados ao não gerar as metas esperadas. Os resultados mostraram que a “busca pela perfeição” é justamente o que atrapalha essas pessoas na hora de alcançar os objetivos. Os perfeccionistas tendem a responder de forma mais dura emocionalmente. Eles sentem mais culpa, mais vergonha. Eles desistem mais facilmente. Têm tendência a fugir quando as coisas não podem ser perfeitas”, contou Hill.

Isso acontece principalmente porque, para os perfeccionistas, a performance está ligada ao senso de identidade. Ou seja, quando não são capazes de fazer algo, eles sentem vergonha de si mesmos. O perfeccionismo é justamente um mecanismo de defesa para evitar a vergonha, mas os indivíduos perfeccionistas não entendem que essa atitude é o que gera o problema. Como resultado, a busca pela perfeição se torna um ciclo vicioso. E, uma vez que é impossível ser perfeito, todo esforço acaba sendo em vão.

Perfeccionismo e transtornos mentais

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), cada vez mais jovens têm sido diagnosticado com transtornos mentais, como depressão, ansiedade e pensamentos suicidas se comparados com diagnósticos realizados há uma década. Uma pesquisa mostrou que tendências perfeccionistas geram algumas dessas condições – como depressão, ansiedade e estresse –, mesmo quando traços da personalidade, como neuroticismo (propensão a emoções negativas), são controlados pelos cientistas.

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Apesar de alguns problemas de saúde mental não serem causados exclusivamente pelo perfeccionismo, um estudo recente revelou que estudantes universitários diagnosticados com ansiedade social estão mais propensos a se tornarem perfeccionistas. Também foi constatado que a autocompaixão – virtude que falta aos perfeccionistas – é uma das formas de proteção mais poderosas contra a depressão e a ansiedade. No entanto, a autocrítica, sintoma predominante, pode levar à depressão.

Perfeccionismo e suicídio

Outro estudo de meta-análise recente – o mais completo realizado até hoje sobre o elo perfeccionista-suicida – descobriu que quase todas as tendências perfeccionistas estão frequentemente relacionadas a pensamentos suicidas. “O pensamento em preto e branco pode levar os perfeccionistas a interpretarem os fracassos como catástrofes que, em circunstâncias extremas, são vistos como justificativas para a morte”, escreveram os pesquisadores.

A equipe ainda revelou que uma literatura mais ampla sugere que quando as pessoas sentem que seu mundo social é repleto de pressão, julgamento e hipercrítica, elas pensam a respeito e, muitas vezes, recorrem a várias formas possíveis de fuga, como  abuso de álcool e compulsão alimentar, assim como o suicídio.

Esses dados mostram que os perfeccionistas tendem a ter uma vida mais curta se comparado às pessoas conscienciosas.

Perfeccionismo e idade moderna

Segundo os pesquisadores, o fracasso é muito grave em uma sociedade baseada no mercado, especialmente por causa da competitividade estimulada pelas poucas vagas e o grande número de candidatos. Essa competição não cessa mesmo depois de empregado, já que a ideia do fracasso pode acarretar no medo da demissão, que mostra como o funcionário é substituível.

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Outro problema é que a competição foi incorporada até mesmo nas escolas: dos testes padronizados à alta pressão para ingressar nas universidades. Como consequência, os pais estão colocando mais pressão sobre si mesmos – e sobre seus filhos – para alcançar cada vez mais. “Se as crianças vierem a internalizar isso – a ideia de que só podemos nos definir em termos estritos e limitados de conquista – então você verá tendências perfeccionistas começarem a surgir”, alertou Hill. 

O método de dar “estrelinhas” como recompensa para as crianças, usado por muitos pais e professores, também pode aumentar a incidência do perfeccionismo no futuro, indicam os pesquisadores. Se você for elogiado apenas quando fizer algo bem, poderá entender que só tem valor de fato quando recebe a aprovação dos outros.

Fazer com que a criança se sinta culpada por errar também pode refletir negativamente neste aspecto. As pesquisas mostram que essas táticas de educação deixam as crianças mais propensas a serem perfeccionistas e, mais tarde, desenvolver depressão.

O medo do fracasso também pode ser ampliado de outras formas, como as mídias sociais. Cometer um erro e viralizar – a nível global, por exemplo – pode fazer com que as pessoas tentem evitar os erros a qualquer custo.

Perfeccionismo é doença

De acordo com os especialistas, o principal problema do perfeccionismo é que ele é tratado como qualidade, a exemplo das  entrevistas de emprego. “Se temos ansiedade ou depressão, não enaltecemos esses sintomas. Queremos nos livrar deles. Quando vemos uma pessoa perfeccionista, ela pode muitas vezes hesitar em relação à mudança. Muitos dizem que traz benefícios a eles”, comentou Sarah.

Outro desafio é convencer os perfeccionistas a substituir a voz crítica interior por mensagens mais gentis, para aprender a lidar com as próprias falhas, evitando a crítica quando se está aquém de um objetivo. “Pode ser libertador permitir que a imperfeição aconteça, aceitá-la e celebrá-la. Porque é exaustivo manter tudo isso”, disse Katie Rasmussen, da Universidade de West Virginia, nos Estados Unidos. 

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