Liberada em 1997 nos Estados Unidos e em 1998 no Brasil para uso contra a calvície, a finasterida é a droga mais conhecida e usada hoje em dia contra o problema. Apesar de ter perdido a patente em 2006, o remédio rendeu 424 milhões de dólares à Merck (farmacêutica que a lançou no mercado), apenas em 2012. Há um ano, no entanto, o FDA (agência sanitária americana) acendeu o sinal de alerta contra a medicação: na bula, passaria a constar que os efeitos adversos podem, em alguns casos, ser permanentes – mesmo após a suspensão do tratamento.
A finasterida atua no couro cabeludo bloqueando a ação da enzima 5-alfa-redutase, responsável por transformar a testosterona em dihidrotestosterona – hormônio relacionado ao afinamento dos fios. Os estudos que acompanharam seu lançamento e seus primeiros anos de vida alegavam que a droga poderia causar redução de libido, problemas durante a ereção e na consistência do esperma. Esses efeitos adversos, entretanto, desapareceriam com a interrupção do tratamento. “Existem mais de 2.000 estudos no National Center for Biotechnology Information (NCBI, Centro Nacional para Informação Biotecnológica) sobre os efeitos nocivos da finasterida”, diz, em entrevista ao site de VEJA, Abdulmaged Traish, professor do Departamento de Urologia da Universidade de Boston, que estuda o assunto há dez anos. “Médico que diz que nunca viu efeito adverso dessa droga está mentindo.”
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Pesquisas – Em novembro de 2012, um estudo publicado no Journal of Sexual Medicine apontava que 20% dos participantes que usavam finasterida tinham disfunções sexuais havia seis anos ou mais. “Isso sugere a possibilidade de que a disfunção seja permanente”, dizem os pesquisadores. Os participantes relataram ainda mudanças na cognição, na qualidade da ejaculação e na sensibilidade genital.
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De acordo com a bula do Propecia (nome da droga com finasterida vendida pela Merck), os riscos de perda de libido acontecem em até 1,8% dos homens. “Nossa experiência clínica, no entanto, aponta para 20% dos homens”, diz o dermatologista Arthur Tykocinski. Na maioria dos casos os efeitos adversos tendem a sumir com a interrupção do tratamento. “Mas não sabemos dizer quem são os homens mais predispostos a ter os efeitos permanentes”, diz Traish. O medicamento não é indicado em bula para mulheres com problemas de calvície. Em alguns casos, no entanto, seu uso off label é feito por mulheres na pós-menopausa.
Vítimas da finasterida
“Comecei a tomar a finasterida em 2002, com 26 anos. Eu tinha umas entradas frontais, um pouco mais fundas do que o pessoal da minha idade, mas nada alarmante. Tomei o remédio por sete anos, e nunca tive nenhum efeito colateral… até que resolvi parar. Já na primeira semana tive diversos efeitos colaterais. Desenvolvi a doença de Peyronie, comecei a ter dificuldade em ter e em manter ereção e tive uma diminuição na consistência e na quantidade de esperma. Todos esses efeitos continuam até hoje, já desisti de procurar tratamento no Brasil. Preferia ter ficado careca.”
Augusto, 36 anos
“Entrei com processo contra a farmacêutica que produzia o remédio em 2009 e estou aguardando o avanço até hoje. Tomei a finasterida por cinco anos, dos 41 aos 46 anos. Em 2006 comecei a sentir fortes dores nas costas, depois de diversos exames meu médico me disse que eu estava com osteopenia. Então parei com a medicação. Desde então minha vida sexual mudou muito, não tenho mais ereções como antes e preciso fazer reposição hormonal constantemente.”
R.L.P., 53 anos
Efeitos adversos – Durante seis anos, Augusto, 36 anos e mineiro de Belo Horizonte, tomou 1 miligrama de finasterida (dosagem recomendada em bula) diariamente. Uma semana após interromper o tratamento, os efeitos começaram a aparecer: o pênis sofreu uma curvatura, ele começou a ter dificuldade em ter e em manter a ereção, além de uma diminuição na consistência e na quantidade do esperma. “Durante três meses também tive dificuldades para urinar. Parecia que, de uma hora para outra, eu tinha envelhecido”, diz.
Após percorrer diversos médicos pelo Brasil, Augusto acabou desistindo de procurar ajuda. “Ninguém sabe o que fazer, e todos acabam dizendo que meu problema é psicológico”, diz. O drama do mineiro é compartilhado por R.L.P., 53 anos, funcionário público de São Paulo. Desde 2009, ele está com processo aberto contra a Merck. “Tomei o Propecia de 2001 a 2006. Parei a medicação porque ela tinha me deixado com uma dor terrível nas costas, causada pela osteopenia [redução na concentração de cálcio nos ossos, que pode levar à osteoporose].” Ao parar com a medicação, R.L.P. começou a ter problemas para manter a ereção. “Minha vida sexual não é mais a mesma. Precisei passar por tratamento psicológico e faço reposição hormonal até hoje.”
Os brasileiros não estão sozinhos. Eles fazem parte de um dos principais fóruns na internet para pessoas que sofreram efeitos adversos da finasterida, o Propeciahelp. As histórias deles vão ao encontro das pesquisas clínicas que apontam os malefícios da medicação. Há ainda estudos que apontam para problemas de ordem psicológica, como a depressão, além de problemas cardiovasculares. Em uma pesquisa publicada em 2012, no Journal of Clinical Psychiatry, pesquisadores da Universidade de Washington alertam que o uso da finasterida para tratamento da calvície pode aumentar as chances de depressão e de pensamentos suicidas. “É um caminho sem volta. Uma vez que a bioquímica do corpo está modificada, não há como reverter o processo”, diz Traish.