A falta de vitamina D durante a gestação está ligada ao desenvolvimento de uma série de doenças na fase adulta – desde problemas de crescimento até diabetes, obesidade e esclerose múltipla. Agora, uma pesquisa realizada na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP) mostrou que esse nutriente também é fundamental para o crescimento e o desenvolvimento dos músculos ao longo da vida.
Por meio de experimentos com ratos, o grupo de cientistas concluiu que a deficiência de vitamina D materna afeta seletivamente o desenvolvimento de fibras musculares do tipo 2 (o chamado músculo branco) nos filhotes machos. Essas fibras atrofiaram mais durante o período juvenil (prole com 21 dias). Ao longo da vida do animal, porém, elas conseguem se recuperar e se adaptar à deficiência. Isso porque o próprio músculo é capaz de produzir a vitamina D na vida adulta.
Nutriente obtido por meio da alimentação, mas principalmente sintetizado pelo organismo humano após exposição à radiação solar, a vitamina D é um hormônio que atua na saúde óssea, no crescimento, na imunidade e no metabolismo. Na literatura científica há poucos dados sobre seus efeitos nos músculos.
O que intrigou os pesquisadores e demandará mais estudos é o motivo de a prole fêmea ter sido protegida das alterações induzidas pela deficiência materna. Uma das hipóteses é que a proteção esteja ligada a algum hormônio, como o estrogênio, ou a algo na placenta.
O trabalho faz parte de um Projeto Temático da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e foi publicado no Journal of Cachexia, Sarcopenia and Muscle. É resultado do trabalho de doutorado da biomédica Natany Garcia Reis.
“A descoberta de que o músculo do animal adulto deficiente é capaz de compensar a deficiência endógena de hormônio circulante aumentando sua produção interna, para mim, como fisiologista, é muito gratificante porque abre um campo de pesquisa enorme. Podemos avaliar, por exemplo, se o exercício físico estimula esse sistema”, explica Luiz Carlos Navegantes, professor do Departamento de Fisiologia da FMRP-USP e autor correspondente do artigo.
Segundo Navegantes, os resultados obtidos trazem mensagens relevantes, que reforçam a importância da vitamina D durante a gestação e a lactação. “Trazemos um novo olhar clínico, destacando a importância fisiológica do hormônio não só para os ossos, mas chamando a atenção para a força muscular”, completa.
Precedente
Os cientistas da FMRP-USP usaram como um dos pontos iniciais para o estudo o conceito de que doenças em pacientes adultos podem ter origem no período fetal.
Ratas fêmeas foram alimentadas com uma dieta normal ou uma dieta sem vitamina D durante seis semanas e, na sequência, durante todo o período de gestação e lactação. No desmame, os filhotes machos e fêmeas foram separados e receberam dieta padrão até os 180 dias de idade.
A deficiência de vitamina D induziu atrofia muscular na prole masculina ao final do desmame, efeito revertido ao longo do tempo. Após 180 dias, os músculos esqueléticos de contração rápida (brancos) mostraram uma diminuição no número de fibras totais, mas aumento do tamanho das fibras (hipertrofia), enquanto os músculos de contração lenta (vermelhos) apresentaram grande prejuízo da força muscular, sem alterações morfológicas aparentes.
A hipertrofia das fibras brancas foi associada aos maiores níveis proteicos de MyoD e miogenina (fatores envolvidos na coordenação do desenvolvimento e reparação do músculo esquelético). Por razões desconhecidas, a maioria das alterações morfológicas e bioquímicas não foi observada no tecido musculoesquelético das fêmeas.
Navegantes destaca que havia estudos realizados com porcos mostrando evidências de que a suplementação materna com vitamina D promovia crescimento muscular. “Partimos dessas informações para avançar na pesquisa. Agora temos alunos avaliando os efeitos no coração, no pâncreas e em outros órgãos. Também vamos analisar como se comporta em prole castrada para tentar entender a proteção para as fêmeas”, diz o professor.
Em 2020, outro trabalho do grupo coordenado por Navegantes e pela professora Isis do Carmo Kettelhut, também da FMRP-USP, demonstrou, pela primeira vez, que estimular a expressão de uma proteína naturalmente produzida pelo corpo humano pode ser uma estratégia para combater a perda de massa muscular. Esse processo natural do envelhecimento pode ser intensificado em casos de doenças neurodegenerativas, inflamatórias ou de indivíduos que precisam passar longos períodos internados em Unidades de Terapia Intensiva (UTIs).