O Dia Mundial do AVC (Acidente Vascular Cerebral), neste domingo 29, chamou a atenção para a doença grave que, segundo um estudo recente da Comissão da Revista Científica Lancet Neurology em parceria com a World Stroke Organization (WSO), pode causar quase 10 milhões de mortes por ano até 2050. A pesquisa, publicada na revista científica The Lancet Neurology, diz ainda, que esse cenário custará até US$ 2 trilhões anualmente.
Com todas as dificuldades da própria doença e do sistema público de saúde, porém, o Brasil tornou-se referência internacional no tratamento do AVC, graças um programa público realizado na cidade de Joinville, em Santa Catarina. Trata-se do Joinvasc, modelo internacional de cuidado em saúde baseado em valor – com excelentes resultados e correta aplicação de recursos ao longo do ciclo da doença – e sediado no Hospital São José, em Joinville.
Além de beneficiar mais de 12 mil pessoas com a condição, o Joinvasc serviu de modelo para o Ministério da Saúde definir as políticas nacionais sobre AVC e na criação do programa de certificação da própria World Stroke Organization, de onde recebeu o reconhecimento máximo de centro avançado de AVC em 2021, sendo replicado em mais de 20 centros de tratamento da doença na América Latina.
A saber, o Joinvasc teve início no HMSJ em 1995, seguido pela criação da primeira unidade de AVC multidisciplinar do Brasil dois anos depois, com a participação de centenas de profissionais da saúde, gestores e pacientes ao longo dos anos, e parcerias com a comunidade, setor privado e universidades da região. Após sua implementação, a cidade catarinense teve uma redução de 37% na incidência de AVCs, diminuição de 59% na mortalidade pela doença e um aumento de 86% na melhora do resultado funcional dos pacientes com AVC grave, atendidos no Hospital São José.
Pioneiro, em 2012, por exemplo, o programa já fazia a Trombectomia Mecânica (TM), procedimento cirúrgico com o objetivo de desobstruir e restaurar o fluxo sanguíneo arterial cerebral, que só foi incorporada pela CONITEC (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde) no SUS em 2021, embora ainda esteja indisponível para a população, pois aguarda a publicação do Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) pelo Ministério da Saúde. Desde então, estima-se que mais de 70 mil pessoas deixaram de ser tratadas e beneficiadas pela TM na rede pública. O Hospital São José, de Joinville é uma exceção, um dos poucos hospitais públicos que conseguem realizar o procedimento com a ajuda de subsídios regionais.
Atualmente no SUS o único tratamento disponível para o Acidente Vascular Cerebral Isquêmico (AVCi) é a Trombólise Endovenosa, uma injeção que dissolve os coágulos que entopem os vasos sanguíneos e deve ser aplicada em até 4,5h após os primeiros sintomas. Porém, há um problema no procedimento, pois quando os vasos são muito grandes, o medicamento não consegue penetrar o suficiente para dissolver os coágulos, diminuindo a efetividade do tratamento.
Voltando ao Joinvasc, de Joinville, o nível de sucesso do programa vem justamente porque não trabalha apenas o atendimento emergencial, mas sim todo o processo do AVC, desde a prevenção até os tratamentos de reabilitação em pacientes com a doença que, embora tenha duplicado mundialmente nos últimos 30 anos, é altamente evitável e tratável se acompanhada de forma adequada, começando com a consciência da população sobre seus fatores de risco, que incluem hipertensão arterial, diabetes, colesterol alto, obesidade, alimentação inadequada, sedentarismo e tabagismo.
Estratégias de Prevenção e Tratamento
Segundo o estudo da Lancet e WSO, algumas ações são necessárias para o enfrentamento da doença tais como estabelecer sistemas de vigilância de baixo custo para fornecer dados epidemiológicos precisos sobre o AVC a fim de orientar a prevenção e o tratamento; aumentar a conscientização pública e melhorar o estilo de vida saudável para prevenir o AVC por meio de informação de qualidade e utilização de vídeos e aplicativos de conscientização; e dar prioridade a um planeamento eficaz dos serviços de cuidados de AVC, que inclui capacitação e formação de profissionais de saúde, além do fornecimento de equipamento apropriado, tratamento e medicamentos acessíveis.
O estudo também aponta a importância de adaptar recomendações baseadas em evidências aos contextos regionais para auxiliar nos cuidados de longo prazo do AVC e estabelecer ecossistemas locais, nacionais e regionais para a monitorização, prevenção e reabilitação que possam reduzir a carga global da doença.
“As lacunas nos serviços de AVC em todo o mundo são catastróficas. Precisamos de uma melhoria urgente agora, não daqui a 10 anos” afirma a neurologista e pesquisadora brasileira Sheila Martins, presidente da WSO, único órgão global voltado exclusivamente para o AVC, e uma das principais autoras da pesquisa. “A WSO está empenhada em apoiar e acelerar a implementação global destas recomendações, através de seu Grupo de Trabalho de Implementação, com especialistas em AVC, para enfatizar às autoridades as medidas de prevenção e cuidados, além de contribuir com programas educacionais”, diz.
A pesquisa recente diz ainda que um dos entraves para a implementação de ações para o enfrentamento ao AVC é a falta de financiamento. Por isso, a WSO/Comissão da Lancet Neurology recomenda a introdução de regulamentos legislativos, além de impostos sobre produtos prejudiciais à saúde, como sal, bebidas alcoólicas, produtos com gorduras trans, entre outros, a fim de reduzi o consumo e, consequentemente, o número de casos de AVC, que só neste ano, já matou mais de 82 mil pessoas no Brasil.