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Por que cada vez mais as pessoas não gostam da própria imagem?

Questões ligadas à autoimagem podem virar um problema sério para a saúde física e mental. Especialistas comentam

Por Simone Blanes Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 22 dez 2023, 17h59
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  • “Todos julgam segundo a aparência, ninguém segundo a essência”, disse o poeta e dramaturgo alemão Friedrich Schiller, em meados do século XIX. Duzentos anos depois, a regra ainda vale, só que elevada a um nível tão intenso que pode se transformar em um distúrbio de saúde como a Dismorfia Corporal ou Transtorno Dismórfico Corporal (TDC), quando a pessoa tem uma preocupação excessiva com o corpo e passa a ver sua imagem de forma distorcida.

    Embora atinja 2% da população mundial, acometendo cerca de 4 milhões de pessoas no Brasil, em especial, as mulheres, que desde o começo dos tempos, sofrem com cobranças cruéis em relação à aparência, o TDC não é tão falado. Mas isso não quer dizer que não seja sério, ainda mais em tempos de redes sociais. “Eu vejo vocês postando foto sem filtro, eu não consigo”, disse Sandy, recentemente durante participação na série “Angélica 50 & Tanto”. Em conversa com Angélica, que completou 50 anos, ela afirmou que não anda sem maquiagem. “Eu não me acho bonita, e não me sinto confortável”, atribuindo essa questão ao fato de ter crescido em frente às câmeras. “A minha cara é essa que as pessoas veem pronta. Eu estou desacostumada da minha cara normal.”

    O caso de Sandy, talvez, não seja TDC, que tem diagnóstico feito por um médico, mas outras famosas como Megan Fox e Taylor Swift já assumiram possuir o distúrbio. Considerada uma das mulheres mais sexys do mundo, a atriz disse que nunca se achou bonita. “Não me vejo como as pessoas me veem. A insatisfação com o meu corpo sempre foi uma obsessão”, disse. Taylor também admitiu ter o problema, a ponto de procurar ajuda psiquiátrica. “O transtorno fez com que me afastasse de círculos sociais e me sentisse sozinha”, relatou a estrela internacional.

    “Uma coisa é a insatisfação com a imagem corporal, outra é o transtorno dismórfico corporal. Uma insatisfação pode acontecer por algum defeito ou por preferir ter uma ou outa coisa de outro jeito, e isso trazer algum incômodo. O transtorno é quando essa insatisfação atinge níveis patológicos e a pessoa começa a se preocupar excessivamente com isso, exista ou não um defeito”, explica Daniel Martins de Barros, psiquiatra e autor do livro “Viver é melhor sem ter que ser o melhor” (Ed Sextante).

    Quando é um problema sério?

    Mas quando se sabe que é TDC? Segundo especialistas, é quando a supervalorização de um defeito começa a virar obsessão e impactar negativamente a vida da pessoa. Se olhar excessivamente no espelho ou fugir dele, buscar procedimentos estéticos e cirurgias plásticas de forma constante e demonstrar sintomas de ansiedade, tristeza profunda ou medo excessivo de julgamentos são sinais claros do distúrbio. “Quando ela deixa de se relacionar, de sair e isso atrapalha no trabalho, nas relações ou se torna um sofrimento tão grande que a deixa menos funcional no dia a dia é considerado TDC”, diz Matheus Manica, cirurgião plástico, membro titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP).

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    Um problema que, de acordo com o médico, se agravou com as redes sociais e a pandemia da Covid-19, quando as pessoas passaram a usar mais telas e câmeras para se comunicar. “Muitas começaram a se ver por meio do vídeo, do zoom e, assim, achar mais ‘defeitos’, mesmo que de forma distorcida. Aumentaram as auto cobranças por pensarem que todo mundo estava reparando nos mesmos defeitos que supostamente enxergavam”, explica Manica. “Juntando com os filtros das redes sociais, cresceu também a pressão estética.”

    Esse foi um dos motivos que, nesse período, aumentou a procura por intervenções estéticas e cirurgias plásticas, hoje em dia muito mais acessíveis, tanto pela oferta como no preço – em 2021, por exemplo, foram realizados 30 milhões de procedimentos no mundo, alta de 20%, de acordo com a Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica. Nesse quesito, o Brasil é vice-campeão, 2,7 milhões de intervenções estéticas, só perdendo globalmente para os Estados Unidos.

    “Normalmente, num consultório de cirurgia plástica, é um diagnóstico que fazemos quando se percebe algumas discrepâncias entre a queixa da pessoa e a real aparência física. Quando é muito maior, muito mais intensa e envolve um sofrimento excessivo, a melhor opção é o encaminhamento para avaliação de um médico psiquiatra”, explica o cirurgião.

    Redes Sociais: um problema real

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    Ainda segundo os especialistas, as redes sociais também potencializam o TDC porque acostumam os indivíduos a verem sua própria imagem somente por meio de filtros. Ao se olharem no espelho, porém, percebem que aquilo não é real. “Vivemos em uma sociedade que segue padrões estéticos inatingíveis. Consumir conteúdo de celebridades e influenciadoras não é um problema em si. A questão é quando a pessoa quer ficar igual às imagens das redes sociais, que deixam a aparência distinta da realidade e vira uma obsessão por um padrão de beleza irreal”, diz o dermatologista Bruno Lages, membro da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD).

    Além de afetar negativamente a saúde emocional, essa angústia e medo da rejeição podem desencadear sintomas de ansiedade e depressão e se manifestar na saúde física, com preocupações excessivas com peso, tamanho ou a forma do corpo levando a pessoa a praticar exercícios físicos excessivos, dietas extremas, transtornos alimentares como anorexia, bulimia ou transtorno alimentar compulsivo e até mesmo procedimentos ou cirurgias estéticas sem necessidade.

    Uma das grandes preocupações dos médicos diz respeito às crianças, jovens e adolescentes, especialmente meninas, que começam a acessar as redes sociais muito cedo e, geralmente, sem monitoramento. Pesquisas claramente indicam que quanto mais tempo se passa nas redes sociais, menor é o bem-estar. As crianças, especialmente as meninas, são particularmente suscetíveis, sofrendo uma diminuição significativa na autoestima, o que é um problema sério”, comenta Gustavo Arns, professor da pós-graduação em Psicologia Positiva da PUC-RS e idealizador do Congresso Internacional de Felicidade.

    O recomendado, portanto, é ter cautela com o uso das redes sociais. Além de monitorar o uso, o ideal é que os pais proporcionem explicações abrangentes e incentivem questionamentos para desenvolver um olhar mais cosciente por parte do jovem. Também interromper as comparações, fontes primárias do problema, e tomar cuidado para que não perpetuar a padronização. “Afastar-se do que gera insatisfação e comparação é um passo significativo. E identificar suas próprias forças, virtudes e o que realmente possui e gosta”, enumera Arns. “Ao se conscientizar de áreas da vida nas quais está bem-sucedida, você fortalece sua autoestima. Ao conhecer a si mesma, reconhecendo suas virtudes e pontos fortes, passa a focar no que faz bem. Esse é o caminho para construir uma autoestima sólida”, completa o especialista.

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    Lages concorda, defendendo o diálogo como ferramenta essencial para evitar o TDC pela influência dessas mídias. “É preciso conversar com as adolescentes sobre o impacto das redes sociais em sua autoimagem e reforçar que a beleza deve estar aliada ao bem-estar com seu próprio corpo, e não a uma busca por um padrão irreal. Com essa conscientização, poderão ter uma visão crítica sobre o conteúdo que consomem, não se afetando tanto por ele”, avalia Lages.

    “Perfeição” traz felicidade?

    Quando já existe o diagnóstico de TDC, Arns recomenda um trabalho de recuperação da autoestima, com acompanhamento psicológico. “Vivenciamos uma espécie de adoecimento social, normalizando intervenções estéticas que, muitas vezes, não atendem verdadeiramente às necessidades emocionais. Nesse contexto, a terapia emerge como uma ferramenta essencial. A interação com um profissional da saúde mental possibilita uma reflexão mais profunda, questionando se tais procedimentos estéticos realmente satisfazem necessidades que vão além do aspecto visual”, pontua.

    Muitos consultórios e clínicas também passaram a adotar o Body Dysmorphic Disorder Examination, um questionário para medir a extensão da questão que verifica quanto tempo a paciente dedica pensando naquele “defeito” físico que a incomoda, o quanto de esforço faz para tentar disfarçá-lo e se lhe causa algum problema em ambientes sociais e a impede de frequentar locais que pode ficar exposto como a praia, por exemplo, por vergonha.

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    “Os procedimentos estéticos devem ser motivados por um processo de autoconhecimento, e não influenciados por pressões externas ou pela busca de um corpo ideal, porque ele não existe. Devem contribuir para a melhoria de seu bem-estar e autoestima, e não ser fonte de inseguranças. Para isso, nossa principal ferramenta é a informação”, reforça Lages.

    Mas é importante destacar que nem toda insatisfação caracteriza um transtorno. E a busca incessante pelo corpo perfeito jamais conduzirá à felicidade genuína. É bom cuidar do corpo, mas jamais esquecer da mente.

     

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