No Brasil, a pegada de carbono gerada pela terapia de substituição renal, também conhecida como diálise, pode chegar a cerca de 2,5 bilhões de quilogramas até 2032, o equivalente à emissão de 1,5 milhão de carros. É o que conclui o IMPACT CKD, um novo estudo apoiado pela AstraZeneca.
Para o mesmo ano, a análise projeta que o consumo de água atrelado ao tratamento da doença renal seja de mais de 60,7 milhões de metros cúbicos, o que corresponde ao consumo de 370.000 domicílios. Por fim, o cálculo do uso de combustíveis fósseis vinculado à logística do cuidado com os pacientes pode chegar a 850 milhões de quilogramas, o suficiente para acender 11,3 milhões de lâmpadas.
A terapia de substituição renal, necessária em estágios avançados da doença renal crônica, consome uma quantidade substancial de recursos naturais, incluindo água e energia elétrica. Estima-se que até o ano de 2032, a demanda por diálise aumente em mais de 75% nos oito países estudados (Estados Unidos, Brasil, Reino Unido, Espanha, Alemanha, Holanda, China e Austrália), fazendo com que a doença seja fonte de preocupação cada vez maior em todo o mundo, com significativos impactos econômicos e ambientais.
Nesse contexto, de acordo com a Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), a doença renal crônica está caminhando para se tornar a quinta principal causa de morte até o ano de 2040.
Uma doença em ascensão
O IMPACT CKD foi apresentado no último Congresso Mundial de Nefrologia, em Buenos Aires, e teve o objetivo de estimar o impacto multidimensional da doença renal crônica ao longo de dez anos (2022 a 2032) em oito países – Estados Unidos, Brasil, Reino Unido, Espanha, Alemanha, Holanda, China e Austrália. A previsão é que, até o ano de 2032, entre 11,7% e 16,5% da população desses países seja afetada pela condição.
“Isso é esperado porque os principais fatores de risco da doença renal crônica estão muito associados ao envelhecimento da população”, explica Ana Flávia Moura, nefrologista e vice-diretora do Departamento de Diálise da SBN. “E uma população longeva possui maior prevalência de comorbidades, como hipertensão, diabetes e obesidade, também fatores de risco para a doença renal crônica”, conclui.
Nos oito países analisados para o mesmo ano, é previsto um consumo de cerca de 440 milhões de metros cúbicos de água doce, correspondendo ao uso anual de água de aproximadamente 2,7 milhões de domicílios. Da mesma forma, o uso de combustíveis fósseis é estimado em cerca de 11 bilhões de quilogramas de óleo, o equivalente a fornecer energia para cerca de 149,7 milhões de lâmpadas durante um ano e à emissão de dióxido de carbono de 17,3 milhões de carros.
Impactos econômicos
A pesquisa estima que o orçamento de saúde dedicado ao tratamento da doença renal alcance uma média de 7,3% e, em alguns países, possa chegar a 25,7% em 2032. Essa crescente demanda estaria colocando uma pressão significativa nos sistemas de saúde em todo o mundo. Entre os outros dados revelados pelo estudo, estão um crescimento de 12,2%, no período de 2022 a 2032, da prevalência do quadro em todos seus estágios no Brasil, o que contribui para o crescimento de 170% no número de pacientes em diálise.
Esse cenário, consequentemente, pesará no bolso do sistema de saúde, que deve chegar a gastar 17,12 bilhões de reais em terapia renal substitutiva, em contraste com o gasto atual, que é de cerca 6,35 bilhões de reais. Seguindo a mesma lógica, os resultados também apontam para uma redução na produtividade econômica devido ao absenteísmo relacionado à doença. Projeções mostram que, ao longo de dez anos, sejam perdidos 365,9 milhões dias de trabalho de pacientes, gerando uma perda de receita para o período de cerca de 8,9 bilhões de reais.
O estudo projeta que, mundialmente, 2,85 bilhões dias de trabalho sejam perdidos devido ao absenteísmo do paciente e 327 milhões de dias de trabalho perdidos devido ao absenteísmo do cuidador ao longo dos próximos dez anos, resultando em uma perda de 37 bilhões de dólares em receitas fiscais em todos os oito países.
Possíveis abordagens e soluções
Uma das dificuldades no tratamento da doença renal crônica é que ela é silenciosa em seus estágios iniciais. Por isso, muitas vezes, os médicos só conseguem identificar a alteração nos estágios mais avançados, quando os sintomas começam a surgir.
Por isso, a nefrologista Ana Flávia Moura reforça a importância da criação de estratégias que possibilitem e facilitem o diagnóstico precoce da doença renal crônica não só para a qualidade de vida do paciente, mas também para reduzir os ônus clínicos, econômicos, sociais e ambientais associados à doença.
“O ideal é que possamos criar e fortalecer uma estratégia de educação continuada para que os profissionais da atenção básica possam identificar a doença em pacientes que, muitas vezes, os procuram por outros motivos, como controle da hipertensão ou até mesmo diabetes”, afirma a especialista.
Assim, nos exames de rastreio da atenção primária, devem ser incluídos os testes de função renal. “Esse rastreio é feito através de exames simples e baratos que estão incluídos no rol de exames que o SUS oferece à população, como a dosagem de creatinina no sangue e o exame simples de urina”, diz Ana Flávia.
Não existem “culpados”
É fundamental que os governos, profissionais de saúde e a sociedade em geral reconheçam a gravidade da situação e ajam de forma assertiva para enfrentar o desafio representado pela doença renal crônica.
“Ações que busquem minimizar o impacto ambiental negativo gerado pela doença não só beneficiam esses pacientes, mas a toda a população”, afirma Moura. “Então, o caminho é conscientizar os pacientes de que não são eles os responsáveis pela situação, mas é um assunto de todos nós”, conclui.
A médica defende uma ação conjunta de todas as partes envolvidas no tratamento da doença, como pacientes e familiares, profissionais de saúde, indústrias e serviços, assim como as clínicas de diálise. “Desde ações pequenas, como apagar uma luz e desligar um ar-condicionado ao sair de uma sala inutilizada, até ações mais complexas, como o desenvolvimento de tecnologias sustentáveis para reduzir o consumo e o impacto desse tratamento no ambiente, são válidas”, afirma.
Assim como a nefrologista, o estudo também defende que estratégias de intervenção multidisciplinares e sustentáveis são urgentemente necessárias para lidar com os desafios da doença renal crônica — tanto para a saúde humana como para a planetária.