O distanciamento social recomendado para desacelerar o avanço do número de casos do novo coronavírus fez a rotina de muitas empresas mudar da noite para o dia. O home office, ou teletrabalho, saiu das ideias de escritórios com culturas flexíveis e virou o novo normal das corporações. Apesar de a mudança ser fruto mais da necessidade que da oportunidade, o trabalho remoto pode levar o Brasil a embarcar em definitivo nessa nova realidade da gestão organizacional. “O modelo de trabalhar em um local específico para tal finalidade vem da Revolução Industrial, que tirou as pessoas do campo e as levou para as fábricas. Em algum momento essa convenção passaria por um processo de ruptura”, explica Ricardo Basaglia, da consultoria de recursos humanos Michael Page.
Essa transição, em princípio, é um processo simples. Há uma semana, o engenheiro de produção Carlos Eduardo Eleodoro, 31 anos, mudou radicalmente sua rotina de levantar-se às 6 da manhã e pegar um ônibus fretado de Jundiaí a São Paulo para trabalhar. Agora ele sai da cama e se acomoda na sala de sua casa para começar o expediente. A empresa em que Eleodoro atua adotou o home office como medida de precaução contra a disseminação da Covid-19. A novidade na rotina, segundo ele, foi facilmente assimilada porque sua noiva, Juliana Zandarim, 27, executiva de operações em uma startup, já utiliza o esquema de teletrabalho. “Ela tem seu espaço, um escritório que montamos no quarto, e eu fico na sala. Ver como a organização do espaço e do tempo flui para ela me ajudou a fazer essa adaptação”, afirma.
A complexidade do home office, entretanto, vai além de escolher um local confortável para instalar o laptop, uma vez que a modalidade implica um considerável desafio para a manutenção da produtividade. Lições cruciais precisam ser aprendidas por quem não quer correr o risco de perder desempenho e, no limite, o emprego. Definir um espaço de trabalho e portar-se como se estivesse no escritório — e não na sala num domingo — são questões importantes. Contudo, o que a experiência do home office no mundo mostra, de fato, é a dificuldade dos gestores de lidar remotamente com suas equipes. A cultura dos profissionais brasileiros, hierarquizada e de estreito contato pessoal, fundamenta-se no trabalho presencial. “Apesar das diversas ferramentas de medição da produtividade, a confiança é crucial nessa jornada”, diz a especialista Roberta Hodara, da consultoria JLL.
Respeitar as regras mínimas, sem deixar a dispersão de estar em casa interferir, rende resultados. O CEO da corretora de valores Necton, Marcos Maluf, pôs 240 dos seus 300 funcionários em home office. “Estabelecemos que as entregas e a produção deveriam continuar como se todos estivessem no escritório. Funcionou, e a eficiência não foi afetada”, avalia. Comprometimento, de fato, é o fator crucial para fazer da sala de estar o escritório.
Publicado em VEJA de 1 de abril de 2020, edição nº 2680