A psicoterapia pode ser fundamental na descoberta e aceitação da identidade de gênero e da sexualidade. No caso de Gabriel Graça Oliveira, um homem trans, ela foi essencial. Embora soubesse desde a infância que era trans – ele não se sentia confortável com o próprio corpo, não gostava de roupas femininas e queria brincar e ser como os garoto – só teve coragem para assumir sua verdadeira identidade e iniciar a transição de gênero aos 48 anos de idade, segundo informações da BBC Brasil.
Após anos de terapia, em novembro de 2015, Gabriel, que foi batizado como Maria, decidiu mudar seus documentos e iniciar oficialmente a transição com o uso de hormônios e a realização de cirurgias. “A psicoterapia me ajudou a compreender melhor como eu me sentia, a identificar com maior clareza minha identidade. Ajudou a compreender que é um fenômeno humano”, contou Gabriel à BBC.
Hoje, Gabriel é casado com uma mulher e está feliz, mas nem sempre o relacionamento foi fácil. “Meu constrangimento com meu corpo feminino não me deixava à vontade na intimidade. Enquanto éramos apaixonados, conseguíamos passar por cima dessa minha dificuldade, mas depois que a paixão acabou fomos oprimidos pela minha inadequação física.”
Terapia e descoberta
Gabriel, que também é psicoterapeuta e professor de psiquiatria da Universidade de Brasília (UnB), diz que a função da terapia é ajudar na descoberta pessoal, permitindo que o indivíduo organize seus pensamentos e identifique os fatores que lhe causam angústia e sofrimento. “A terapia precisa ajudar o paciente a se conhecer mais profundamente, compreender, acessar sua real identidade e se aceitar, aceitar sua orientação, como algo que faz parte do humano, da vida.”
Homossexualidade
O processo terapêutico também pode ajudar no que diz respeito aos problemas que cercam a afirmação da homossexualidade. “A terapia me fez fazer uma análise da minha vida como um todo, de aspectos familiares a questões de trabalho e, dentro desses aspectos, a questão da homossexualidade, de relacionamentos”, contou o advogado Mauro Finatti, que é casado com Caio há cinco anos, à BBC Brasil
Para ele, a psicologia ajudou a lidar com a forma como as pessoas reagem à sua orientação sexual. “Eu tinha a expectativa de que tinha que explorar de forma mais aberta a minha sexualidade com a minha família e que eles tinham que me aceitar. Tinha essa inconformação de não ter uma relação mais aberta na minha família. A terapia me ajudou a resolver essa questão comigo mesmo.”
A polêmica da ‘cura gay’
Por outro lado, Gabriel é contra a recente liminar, concedida pelo juiz federal da 14ª Vara do Distrito Federal, Waldemar Cláudio de Carvalho, a ‘cura gay‘, que autoriza psicólogos a oferecerem aos pacientes tratamentos de reversão da orientação sexual. Segundo ele, a terapia deveria promover o autoconhecimento – afinal, a homossexualidade não é uma patologia.
A liminar foi concedida, em parte, devido a uma ação movida por Rozangela Alves Justino, psicóloga que teve registro cassado pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP) em 2009 por oferecer terapias de cura para a homossexualidade.
De acordo com o diretor do CFP, Pedro Paulo Bicalho, a resolução de 1999 estabelecida pelo órgão, que impede os profissionais de exercerem tratamentos do tipo, ao contrário da opinião de Rozangela, não restringe as pesquisas acerca da orientação sexual e identidade de gênero, caracterizada por ela como “censura”.
“Isso não faz o menor sentido, porque o órgão que regulamenta pesquisa no Brasil é a Coordenação Nacional de Ética em Pesquisa, órgão do Conselho Nacional de Saúde. Os conselhos profissionais não têm a menor interlocução com pesquisa científica”, disse Bicalho à BBC Brasil.
Em 1990, a Organização Mundial da Saúde (OMS) retirou a homossexualidade da lista internacional de doenças. Na Europa e para a Associação Psiquiátrica Americana, tratamentos na linha da “cura gay” são expressamente proibidos, principalmente em menores de idade.
“O Conselho Federal de Psicologia nunca impediu tratamento psicológico. O que proíbe é terapia vinculada a um processo de reversão da orientação sexual ou da identidade de gênero. O papel da terapia é empoderar o sujeito e dar a ele condição de entender os processos históricos e sociais que fazem com que setores da sociedade tenham preconceitos e fobia LGBT”, concluiu Bicalho.