Talvez pela profissão que minha mãe exerce — ela é médica —, logo que surgiram as primeiras notícias sobre um estranho mal que vinha se alastrando em uma cidade da China, e ainda não tinha nome, comecei a me interessar pelo que conhecemos agora como coronavírus. Não demorei a constatar que era muito difícil ter acesso rápido às informações sobre a doença. Assim, na época das festas, decidi desenvolver um site, o ncov2019.live, para reunir o que se divulgava a respeito do problema, que virou surto e depois pandemia. Desde então, o site alcançou 170 milhões de acessos. Em um período de 24 horas, foram 20 milhões de visitantes novos. No início, levei um mês para atingir a marca de 1 milhão. Agora, bato esse número a cada hora. É impressionante.
Tenho 17 anos e estou no ensino médio. Parece estranho o que vou dizer, mas aprendi a programar há uma década, com meu pai — sim, tinha 7 anos! Para mim, é algo muito fácil de fazer. Ao mesmo tempo, não me considero um bom aluno. Faltei à escola durante duas semanas no período em que estava criando o site. Espero que uma boa faculdade me aceite, entretanto não tenho essa certeza. Existe, porém, um ponto na curta trajetória do ncov2019.live que, no meu modo de pensar, é mais esquisito que a minha, digamos, carreira acadêmica. Acho difícil de compreender como grandes instituições, a própria Organização Mundial da Saúde inclusive, não desenvolveram antes de mim um sistema como o meu. Coube a um adolescente comum tomar a iniciativa de prestar esse serviço — por mera curiosidade e porque percebi quanto seria importante localizar informações confiáveis. Estamos em 2020. O acesso à informação deveria ser um direito básico.
A partir da consolidação dos dados, outra questão começou a me preocupar. Muitos dos números pareciam subestimados e não faziam sentido. Havia algum tempo, a Coreia do Sul e o Irã apresentavam dados muito parecidos de casos confirmados de Covid-19. De repente, o Irã registrou entre cinco a dez vezes mais mortes que a Coreia do Sul. Notei que, provavelmente, o Irã tinha muito mais ocorrências e não as notificara.
Em um cenário de pandemia como este que estamos vivendo, é possível perceber a diferença na forma como os governos estão lidando com os problemas, seja pela aplicação de medidas de contenção, como a quarentena, seja pela transparência dos dados. Tal comportamento das autoridades, arrisco dizer, além de ser um mapa sobre a disseminação do coronavírus, é um mapa sobre quão democráticas são as nações.
Até o momento, 184 países foram contaminados. Contudo, mesmo nos Estados Unidos encontrar os dados sobre a Covid-19 poderia ser mais fácil. A depender do que procura, a pessoa tem de acessar uma página, fazer o download de um PDF, ler um documento burocrático e só então pode localizar o que quer. Precisamos de uma tabela objetiva — e meu site é fundamentalmente isso. Outras ameaças, outros vírus, outras pandemias aparecerão, e a sociedade tem de se antecipar a esse tipo de acontecimento e se preparar para ele.
Minha mãe tem trabalhado no combate à pandemia, realizando testes em pessoas que possam estar contaminadas (Seattle, onde moramos, encontra-se no meio de um dos focos da doença no país — apenas no condado de King, que abrange o município, foram registrados 1 170 casos e 87 mortes). Ao ver a dimensão que minha página ganhou, fico feliz por saber que providenciei um serviço ao qual as pessoas têm acesso para se proteger melhor. Estamos em um momento em que a saúde global poderá ser combinada com a tecnologia. Cabe a nós saber aproveitar isso.
Depoimento dado a Jennifer Ann Thomas
Publicado em VEJA de 1 de abril de 2020, edição nº 2680