Quem sofre com noites mal dormidas muitas vezes relata problemas de memória. Esse reflexo que gera incômodo e até certa irritação está ligado a um componente que, em discussões comuns, jamais seria citado dentro dessa equação: o hormônio do apetite, a leptina.
O achado inédito foi fruto de um estudo de pesquisadores da Associação Fundo de Incentivo à Pesquisa (AFIP) sob responsabilidade da brasileira Mariana Moysés Oliveira e abre perspectivas para tratamentos que atuem de forma mais precisa para regular essas interações.
O ensaio contou com a participação de 1.042 voluntários que integravam a terceira edição do Estudo Epidemiológico do Sono de São Paulo (Episono), que responderam questionários e foram submetidos a exames de sangue. O grupo tinha como base o fato comprovado pela literatura médica de que noites ruins de sono tinham impacto negativo na memória. Faltava entender as engrenagens desse mecanismo.
“Você se esquece de compromissos se não for lembrado por outra pessoa ou por um lembrete, como um calendário ou agenda?”, “Você falha em reconhecer um lugar que você já tinha visitado antes?”, “Se você tentasse entrar em contato com um amigo ou parente que estivesse fora, você se esqueceria de tentar novamente mais tarde?” eram algumas das perguntas que estavam no questionário sobre a memória.
Aliado ao teste, foram realizados questionamentos sobre a qualidade do sono, incluindo dificuldades para dormir e horário que os participantes foram para a cama.
A coleta de sangue ocorria pela manhã no Instituto do Sono, em São Paulo, sempre uma hora após o despertar e com dez a 12 horas de jejum. Foi nesse teste que o grupo realizou dosagens e encontrou que a leptina atua como um moderador entre a qualidade e a memória.
A participação do hormônio do apetite
A avaliação dos pesquisadores apontou que, quando os níveis do hormônio do apetite estavam elevados, o sono de má qualidade impactava com mais intensidade o funcionamento da memória. E foi a descoberta da participação da leptina que caracterizou o ineditismo dessa pesquisa.
E como esse hormônio participa desse processo? Produzido nas células de gordura do organismo, o hormônio age diretamente no cérebro e tem como função controlar o apetite. Ele age regulando a ingestão dos alimentos e do gasto energético, de modo que ajuda na manutenção do peso.
“Isso é importante, porque os níveis de leptina no sangue são uma coisa que a gente tem como prevenir que eles estejam elevados. Em pessoas que já têm queixa de má qualidade de sono e de problemas de memória, vale a pena evitar níveis altos de leptina evitando obesidade”, explica Mariana.
Possíveis tratamentos no futuro
Os resultados foram divulgados no começo do mês na 38ª Reunião Anual das Sociedades Profissionais Associadas de Sono, o SLEEP 2024, realizada nos Estados Unidos.
A descoberta pode levar a novas hipóteses para tratamentos que ajudem a melhorar a qualidade de vida de quem sofre com o problema. Os cientistas precisarão investigar se é possível controlar os níveis do hormônio, inclusive com o controle da obesidade, para verificar se isso terá impacto em casos de privação de sono que afetam a memória.
“A leptina não deve ser tida como vilã nesse contexto. Todos nós produzimos e ela serve para informar para o cérebro que a gente deve ter a sensação de saciedade, mas, em pessoas com obesidade, pode acontecer uma resistência. Assim, os níveis de leptina se mantêm altos e o cérebro ignora a saciedade. Evitar obesidade é uma forma de garantir que a pessoa não vai ter um impacto da privação de sono nas queixas de memória”, diz a pesquisadora.