Foi um longo caminho até que a meditação saísse da Índia, país onde se originou, em torno de 1500 a.C., se espalhasse pelo resto da Ásia, atravessasse a Europa e chegasse à América. Mas demorou pouco para que a prática caísse no gosto dos ocidentais, e menos ainda até que começasse a ser investigada pela ciência, curiosa em comprovar e entender os efeitos positivos relatados pelos adeptos. Hoje, meditar virou um remédio chancelado por algumas das instituições de pesquisa mais respeitadas do mundo. Está prescrita como terapia complementar em tratamentos de gama variada, que inclui a mitigação de efeitos colaterais dos remédios contra o câncer, dores crônicas, hipertensão arterial e doenças psiquiátricas, especialmente depressão e ansiedade. A produção científica a respeito da meditação ganha volume na mesma velocidade que o hábito cresce pelo planeta. Se antes da pandemia a curva da adesão ao método já era ascendente, nesses dois últimos anos marcados por indefinição, pressão e sofrimento ela subiu de forma significativa. No Brasil, segundo levantamento do Google, de março a setembro de 2020 houve aumento de 4 000% nas buscas pela pergunta “como fazer meditação para ansiedade”. Sobre a questão “os benefícios da meditação”, registrou-se uma elevação de 200%.
Um dos principais alvos de estudo é justamente investigar de que maneira meditar reduz o stress. Em crises agudas, daquelas desencadeadas por situações pontuais — fazer uma prova ou entregar um trabalho com prazo apertado, por exemplo —, sabe-se que a meditação rápida, concentrada na atenção à respiração durante alguns minutos, tem efeito salvador. A prática permite que o organismo entre imediatamente no modo baixa voltagem. O coração desacelera, a pressão arterial cai, o suor diminui. Desliga-se o esquema que o corpo acionou para reagir a algo. Estruturas que integram sistemas cerebrais envolvidos nesse tipo de resposta saem da hiperativação e retornam ao nível normal de funcionamento. Uma delas é a amígdala, parte do chamado cérebro primitivo, onde estão as primeiras estruturas a surgir no órgão. Elas foram desenvolvidas justamente em resposta à necessidade de os homens estarem preparados para enfrentar ameaças comuns no início da evolução humana, como predadores ou invasores.
Faltava, porém, evidência mais sólida em relação aos benefícios que a meditação poderia oferecer ao controle do stress crônico. A maior parte das pesquisas levava em consideração respostas de participantes a questionários e, por vezes, imagens obtidas em exames de ressonância magnética funcional, capazes de identificar as áreas do cérebro acionadas de acordo com os comandos apresentados pelos pesquisadores. Por isso, os marcadores podem não ser precisos, além de os voluntários estarem vulneráveis ao efeito placebo.
Recentemente, um avanço inquestionável foi realizado em termos de precisão. Pesquisadores do reputado Instituto Max Planck e da Universidade de Dresden, na Alemanha, publicaram o trabalho que colocou de lado lacunas metodológicas e comprovou que a meditação reduz o stress crônico. A saída encontrada por eles foi medir nos fios de cabelo dos participantes do estudo o nível do cortisol, hormônio liberado em alta concentração em situações de stress, tanto as agudas quanto as prolongadas. Nesse último caso, quanto mais tempo de exposição, maior a circulação do cortisol pelo corpo e maior também seu acúmulo no cabelo. Por isso, a detecção do hormônio nos fios é medida confiável para aferir o grau de stress de longo prazo. O estudo durou nove meses e o exame nos fios se deu a cada três meses.
Os voluntários passaram por três métodos diferentes de meditação. O objetivo era trabalhar as habilidades da atenção, compaixão, gratidão e capacidade de enxergar situações pela perspectiva do outro. Depois dos primeiros seis meses, a concentração de cortisol nos fios havia declinado 25%. No final, mantinha-se baixa. “A combinação dos métodos é interessante para o stress crônico”, diz Veronika Engert, chefe do grupo de pesquisa Estresse Social e Saúde da Família do Max Planck. A notícia é muito boa. Ao reduzir o stress crônico, a meditação atenua esse que é um dos principais fatores de risco para infarto e acidente vascular cerebral. É um remédio que não custa nada, não tem efeito colateral, pode ser praticado em qualquer lugar e por todos. É só começar.
Publicado em VEJA de 1 de dezembro de 2021, edição nº 2766