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Estudo avalia eficácia da nicotina contra coronavírus

Uma equipe de pesquisadores na França acredita que a substância pode impedir o vírus de entrar na célula; proposta foi criticada por entidades de saúde

Por Giulia Vidale Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 14h47 - Publicado em 28 abr 2020, 17h33
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  • Contra todas as expectativas, um estudo publicado recentemente sugeriu que fumantes correm um risco menor de desenvolver sintomas e formas graves de Covid-19, doença causada pelo novo coronavírus. A equipe do Hospital Pitié-Salpêtrière, na França, analisou 480 pacientes com diagnóstico da infecção. Desses, 350 foram hospitalizados e o restante se recuperou em casa.

    Os resultados mostraram que entre os internados, 4,4% eram fumantes regulares. Já entre os que se recuperaram em casa, essa taxa era de 5,3%. Além disso, de acordo com os pesquisadores, a taxa de fumantes com resultado positivo para coronavírus na França foi de 8,5%, enquanto o número total de fumantes no país é estimado em cerca de 25,4%, segundo dados de 2018. Diante disso, os autores concluem: “Nosso estudo sugere fortemente que aqueles que fumam todos os dias têm muito menos probabilidade de desenvolver uma infecção sintomática ou grave com Sars-CoV-2 em comparação com a população em geral.”

    Em seguida, foi publicado um artigo sugerindo que a nicotina poderia ser a substância responsável por esse efeito “protetivo” do tabagismo. Segundo Jean-Pierre Changeux, do Instituto Pasteur na França, co-autor do estudo, a hipótese é que a nicotina pode aderir aos receptores celulares, impedindo a entrada do vírus nas células.

    Para testar essa hipótese, os pesquisadores planejam fazer uma pesquisa clínica, que será inciada em breve, usando adesivos de nicotina. O estudo irá envolver a participação de profissionais de saúde e pacientes com coronavírus que serão divididos em dois grupos: um usará adesivos de nicotina e outro adesivos de placebo. Em seguida, eles serão testados para ver se há uma diferença na forma como seus corpos respondem ao vírus.

    Logo após as publicações, o chefe da agência nacional de saúde da França alertou que ainda não há evidências concretas de que a nicotina ajude a evitar a doença, e alertou que o tabagismo continua sendo o principal causador de mortes na França. Além disso, na sexta-feira 24, o governo proibiu a venda online de substitutos de nicotina, como chicletes e adesivos.

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    O objetivo da decisão, de acordo com o decreto publicado no Diário Oficial, é “prevenir os riscos à saúde relacionados ao consumo excessivo ou ao uso indevido destes produtos, que poderiam estar vinculados à cobertura da mídia sobre uma possível ação protetora da nicotina contra a Covid-19” e garantir “um suprimento contínuo e adequado às pessoas que precisam de apoio médico no contexto de eliminarem o vício do tabagismo”. A França é um dos países mais atingidos pela pandemia de coronavírus, com mais de 165.000 infecções e 23.000 mortes confirmadas até o momento.

    O estudo foi duramente criticado, tanto por seus resultados quanto pela metodologia. Para começar, a pesquisa tem o mesmo “problema” que a maioria dos estudos sobre coronavírus publicados até o momento: ela não foi avaliada por outros especialistas antes de ser divulgada, algo chamado de peer-review ou revisão por pares. Esse processo garante uma análise criteriosa antes da publicação do estudo. Aqueles que não atendem esses critérios, nem chegam aos holofotes.

    Além disso os dois grupos analisados – pacientes hospitalizados e aqueles que se recuperaram em casa – são bastante homogêneos. O grupo hospitalizado era composto por 343 pessoas com idade média de 65 anos, enquanto o grupo que se recuperou em casa era formado por 139 pessoas com, em média, 44 anos.

    “O estudo é falho e extremamente enviesado. Os pesquisadores não incluíram pacientes em terapia intensiva. Sabemos, por estudos publicados anteriormente, que fumantes têm maior risco de um pior desfecho da Covid-19 e, portanto, há maior probabilidade de encontrar essas pessoas em UTI”, diz o pneumologista Elie Fiss, do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, em São Paulo.

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    Um estudo publicado no New England Journal of Medicine mostrou que os fumantes chineses que contraíram Covid-19 tinham maior probabilidade de infecções graves. Uma visão geral dos estudos atuais sugere que fumantes infectados pelo novo coronavírus eram mais propensos a serem internados em unidades de terapia intensiva (UTI).

    Além disso, diversas evidências mostram que fumar reduz a função pulmonar e aumenta o risco de gripe, por exemplo. “Das doenças listadas como fatores de risco para complicações por Covid-19 – hipertensão, diabetes e doenças pulmonares -, o tabagismo é um dos fatores de causa de todas. Além disso, hoje se discute muito o papel da inflamação na infecção por coronavírus e o tabagismo causa inflamação crônica nos pulmões, nas artérias e no corpo em geral. Então eu não vejo logica em um estudo desse.”, ressalta o pneumologista. Portanto, o tabagismo é fortemente contraindicado.

    Em relação à possibilidade da nicotina como um fator protetivo, Fiss afirma que desconhece a atuação da nicotina na ECA2, receptor usado pelo coronavírus para entrar nas células e que, segundo o artigo, teria sua expressão inibida pela nicotina. No entanto, acredita que diante de uma doença sobre a qual não se sabe muito, um estudo de curto prazo, controlado, duplo-cego e randomizado com adesivo de nicotina poderia ser viável se acreditarmos que todas as possibilidades tem que ser estudadas.

    Uma nota assinada pela ACT Promoção da Saúde, a Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas, a Associação Médica Brasileira, a Campaign for Tobacco-Free Kids, a Fundação do Câncer, a Sociedade Brasileira de Pediatria e a Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia e que teve a adesão de outras treze entidades condena a hipótese nicotínica.

    “Sabemos que, no momento, várias linhas de pesquisa estão em andamento para tentar entender como o novo coronavírus age e como combatê-lo. Mas ainda é muito precoce e arriscado afirmar qualquer potencial fator protetor da nicotina para o SARS-CoV-2. Uma vez contaminados pelo novo coronavírus, os fumantes tendem a ter uma pior evolução do quadro, com mais gravidade e mortes (2) (3). A discussão sobre a nicotina surgiu porque em alguns estudos realizados na China pareciam haver menos fumantes do que o esperado nas hospitalizações pela COVID-19. No entanto, não está claro se a coleta de informações sobre quais pacientes eram tabagistas nesses estudos foi adequadamente realizada ou se está subnotificada. […] O estudo sobre a nicotina em questão também não foi revisado por pares e não faz referência a aprovação por nenhum comitê de ética em pesquisa. E, além disso, deve-se destacar que ao menos um dos autores do estudo já foi financiado no passado pela indústria do tabaco (4). A nicotina é uma droga psicoativa causadora de dependência e de graves danos ao sistema cardiovascular, como infartos e tromboses (5).”, diz a nota.

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