Encontrar alternativas não farmacológicas para ajudar no controle da hipertensão arterial resistente tem sido a meta de muitos grupos de pesquisa. E um estudo recentemente publicado na revista Frontiers in Cardiovascular Medicine indica que a estimulação transcraniana por corrente contínua (ETCC) pode ser uma opção.
Como o nome sugere, a doença é refratária aos tratamentos farmacológicos disponíveis. Os pacientes tomam três ou mais classes de medicamentos anti-hipertensivos por dia – em geral na dose máxima –, mas ainda assim convivem com níveis pressóricos elevados e têm risco elevado de complicações cardíacas, vasculares e cerebrais.
Na Faculdade de Educação Física da Universidade Estadual de Campinas (FEF-Unicamp), os pesquisadores avaliaram os efeitos de uma única sessão (estimulação aguda) e de dez sessões consecutivas (estimulação prolongada) de ETCC na pressão arterial periférica e central de 13 voluntários com hipertensão resistente. Seis meses antes do início do estudo, os pacientes foram avaliados quanto à sua adesão ao tratamento medicamentoso – que foi mantido durante o estudo – e foram descartadas outras condições clínicas que pudessem influenciar a pressão.
“Na estimulação aguda, houve pacientes com redução de 15 mmHg [milímetros de mercúrio] na pressão sistólica de 24 horas, avaliada por monitorização ambulatorial. Uma redução dessa magnitude pode diminuir muito os riscos cardiovasculares”, diz à Agência FAPESP Bruno Rodrigues, coordenador da pesquisa apoiada pela FAPESP.
Com graduação em educação física, doutorado em fisiopatologia e pós-doutorado pelo Instituto do Coração (InCor) da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP), Rodrigues atualmente é professor da FEF-Unicamp.
“Este foi um estudo pequeno e pesquisas mais robustas são necessárias. Com um maior corpo de evidências que corroborem nossos achados, será possível pensar a ETCC como uma forma de intervenção no pronto-socorro para pacientes com crise hipertensiva”, avalia.
Tolerância
Os resultados do ensaio clínico mostram ainda que a estimulação prolongada não diminuiu a pressão arterial braquial (medida na artéria braquial, no braço, em consultório e acompanhada por 24 horas). “Uma das suposições é que a estimulação contínua por dez dias pode ter aumentado a tolerância e, portanto, só teria funcionado no período inicial, voltando depois ao seu normal”, relata Rodrigues.
Pesquisas anteriores do grupo, também apoiadas pela FAPESP, haviam revelado o potencial da estimulação transcraniana em relação ao controle autonômico cardíaco e à redução da pressão arterial de pacientes com hipertensão leve a moderada, acenando com a possibilidade de que a ETCC pudesse ser usada para tratar hipertensos resistentes.
O trabalho atual, um ensaio clínico duplo-cego, randomizado e cruzado (modelo em que os voluntários são aleatoriamente divididos em grupos sem que nem os participantes ou os pesquisadores saibam que tipo de intervenção cada um recebeu) comparou os efeitos da estimulação real (ETCC) e de uma forma fictícia (sham) em sessões de 20 minutos, que seguiram dois protocolos de pesquisa. Pacientes sorteados para estimulação fictícia receberam pulsos somente durante os três primeiros minutos da sessão e ficaram mais 17 minutos com eletrodos na pele simulando a terapia, enquanto os outros receberam a estimulação completa durante 20 minutos. Depois de uma semana de intervalo, todos foram submetidos a dez sessões consecutivas. Após novo intervalo, quem recebeu placebo foi tratado com a estimulação verdadeira e vice-versa.
Também foram testados os efeitos da estimulação sobre o sistema nervoso autonômico (aquele que controla funções como respiração, circulação do sangue, temperatura, digestão e se divide nos ramos simpático e parassimpático) e marcadores no sangue (cortisol, noradrenalina, acetilcolinesterase e citocinas) relacionados a mecanismos e substâncias que têm sido associados ao controle da pressão arterial.
A hiperatividade do sistema nervoso simpático (responsável pelas respostas do organismo a situações de perigo iminente, por exemplo, acelerar o ritmo cardíaco e a frequência respiratória) é considerada uma das principais causas da hipertensão arterial e se destaca ainda mais nos pacientes hipertensos resistentes. Está associada à elevação da frequência cardíaca, das chances de arritmias, vasoconstrição e remodelamento dos vasos sanguíneos e do coração. Já a ativação do sistema nervoso parassimpático (que faz o efeito inverso, desacelerando o organismo) tem sido relacionada a uma melhora da função cardíaca, redução dos níveis pressóricos e até mesmo de parâmetros inflamatórios.
Todos os estudos foram feitos em parceria com Heitor Moreno Junior, coordenador do Ambulatório de Hipertensão Resistente da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp.
A estimulação evidenciou alguns efeitos que precisam ser mais bem estudados. “De forma aguda ou prolongada, a ETCC provocou redução da modulação do sistema nervoso simpático e amentou a modulação vagal [parassimpática]. Tais achados ainda podem estar relacionados ao aumento de uma citocina anti-inflamatória [um tipo de proteína produzido por células do sistema imune] no plasma sanguíneo, como a interleucina-10.” O próximo passo será comprovar a associação direta da ETCC com a modulação do sistema autonômico.