O diagnóstico precoce da depressão, principalmente em adolescentes e jovens, é uma das grandes dificuldades no combate à doença. Em busca de uma solução para essa questão, pesquisadores estão tentando encontrar uma forma de detectar o problema antes do surgimento dos primeiros sintomas.
É isso o que fez um grupo da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Por meio de exames de ressonância magnética cerebral, os pesquisadores identificaram, no cérebro de crianças, padrões cerebrais associados à depressão anos antes dos primeiros sintomas aparecerem.
O estudo
No estudo, 750 estudantes de escolas públicas de São Paulo e Porto Alegre, com idade entre 6 e 12 anos e sem sintomas de depressão, foram submetidos a avaliações psicológicas, psiquiátricas e de neuroimagem. Após três anos, 90% dos participantes foram reavaliados com a mesma metodologia.
Os resultados mostraram que aqueles que apresentaram um maior processamento de informações no estriado ventral – área do cérebro que integra o circuito de recompensa – no primeiro exame, tinham uma probabilidade 50% maior de desenvolver sintomas depressivos.
“Encontramos uma conectividade de característica diferente, aumentada ou mais atividade, no cérebro daqueles que desenvolveram depressão após três anos, o que representou 9% dos analisados”, disse Pedro Pan, psiquiatra líder do estudo.
Circuito de recompensa
O circuito de recompensa é a área do cérebro que se ativa quando recebemos estímulos que nos dão prazer, como comer chocolate, fazer sexo, fazer compras, praticar esportes e até mesmo pelo uso de substâncias prejudicais como álcool, drogas e cigarro. Do ponto de vista evolutivo, esse circuito é importante devido à sua função de associar atividades relacionadas com a nossa própria sobrevivência a situações prazerosas.
Na adolescência, esse circuito atinge seu pico e é esse fator, associado a um córtex pré-frontal – região cerebral cuja principal função é regular o humor, o julgamento e o controle de impulsos – ainda em formação – ele só amadurece por volta dos 24 anos -, uma das possíveis explicações do por que os adolescentes são extremamente impulsivos e reagem às situações de forma mais intensa. Esse pico também explicaria porque alterações de conectividade nessa região podem ser um marcador da doença nessa faixa-etária.
Segundo o psiquiatra, os próximos passos do estudo são continuar acompanhando esses jovens para entender se essa predisposição continua mostrando que essas pessoas tinham mais probabilidade de ter quadros depressivos e identificar a alteração em mais jovens, para confirmar a teoria.
Procuramos achar um colesterol na psiquiatria. Algo que seja um marcador precoce.”
Pedro Pan
O estudo faz parte do Projeto Conexão, maior estudo epidemiológico em psiquiatria da infância e da adolescência já conduzido no país.
Depressão
Atualmente, a depressão é considerada a doença mais incapacitante do mundo, afetando 322 milhões de pessoas no planeta, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS). No entanto, engana-se quem acha que essa é uma doença da vida moderna.
Hipócrates (460 a.C.-370 a.C.) já descrevia a melancolia, uma compreensão precoce da depressão, como “um estado de medo e desânimo duradouros”. De lá para cá, surgiu uma sucessão de novas explicações. Uma das acepções mais aceitas, pedra inaugural de uma avenida de conhecimento, e certamente uma das mais bonitas, foi apresentada em 1969 pelo psicólogo americano Rollo May em seu livro Love and Will (Amor e Vontade): “A depressão é a incapacidade de construir um futuro”.
Essa falta de perspectiva pode ser extremamente prejudicial e preocupante em jovens, entre os quais a doença aumentou exponencialmente nos últimos anos. De acordo com um estudo conduzido pela Universidade Colúmbia, nos Estados Unidos, nos últimos cinco anos, a incidência entre homens e mulheres de 12 a 25 anos teve um salto de quase 40%. Nas outras faixas etárias, o índice caiu. O resultado é aplicado aos americanos, evidentemente, mas se repete em quase todo o Ocidente.
Depressão é o principal fator de risco para o suicídio
Além do prejuízo escolar e social que a doença pode gerar nessa fase, o risco de suicídio é a principal preocupação dos especialistas. “A depressão é o que mais aumenta a probabilidade de suicídio. Lembrar disso é sempre importante”, diz Luciana Sarin, psiquiatra do Programa de Doenças Afetivas da Unifesp.
Os números de suicídio em jovens também são chocantes e vão na mesma linha da depressão. O suicídio é a segunda causa de morte entre adolescentes de 15 a 19 anos, ficando atrás apenas de acidentes, nos Estados Unidos. No país, em 2011, pela primeira vez em 24 anos, a taxa de suicídio entre adolescentes foi maior que a de homicídios.
No Brasil,o cenário não é diferente. São 667 mortes anuais nessa faixa etária e a taxa tem crescido. De 2005 a 2016, últimos dados disponíveis no Ministério da Saúde, o suicídio na faixa etária de 10 a 14 anos aumentou 31%, passando de 0,54 para 0,71 por 100.000 habitantes. Entre aqueles com 15 a 19 anos, subiu 26%, saltando de 2,97 para 3,76 por 100.000 pessoas.
A divulgação recente de casos de suicídio entre estudantes do ensino médio de um colégio de São Paulo é uma triste constatação dessa realidade. Os motivos que levam adolescentes a tirar a própria vida ainda são um mistério para a maioria das pessoas à sua volta, já que, na maioria dos casos, a depressão nessa faixa etária não é identificada.
Sintomas e tratamento
Os sintomas característicos da depressão nessa faixa etária são: irritação; queixas somáticas, como dor de cabeça, dor de estômago e falta de energia persistentes e sem causa física diagnosticável; alterações de sono; queda no rendimento escolar e perda de interesse por determinada coisa ou situação que antes dava prazer, como jogar videogame e sair com os amigos. “Não é comum um adolescentes deixar de fazer o que gosta”, explica Pan.
Frequentemente esses sinais são confundidos pelos pais, responsáveis e adultos com oscilações de humor e malcriações típicas da adolescência. A diferença é que, na depressão, os sintomas devem persistir por ao menos duas semanas e acompanhar a pessoa todos os dias, na maior parte do dia.
A automutilação, mesmo sem intenções suicidas, também vem crescendo entre os jovens e preocupando especialistas e pode ser um sintoma da doença. No entanto, seus praticantes tendem a escolher lugares que não ficam expostos, justamente para esconder a prática, dificultando sua identificação.
O tratamento para a depressão na adolescência é o mesmo da idade adulta: psicoterapia, para casos leves, e medicação associada à psicoterapia em quadros moderados e graves. O que define a gravidade da doença é a intensidade dos sintomas, o grau de prejuízo na vida do paciente e a presença de pensamentos ou tentativas suicidas. Os sinais de alerta para o suicídio podem ser encontrados aqui.
Onde procurar ajuda?
Hoje, no Brasil, o principal meio disponível para quem precisa de ajuda é o Centro de Valorização da Vida (CVV), associação sem fins lucrativos que há 54 anos oferece serviço voluntário e gratuito de apoio emocional e prevenção do suicídio. O Ministério da Saúde recorreu ao CVV para tentar barrar o crescimento de mortes autoprovocadas no país. Desde março de 2017, as ligações ao número 188 são gratuitas, inclusive por celular e orelhão. Com a mudança, os atendimentos saltaram de 1 milhão para 2 milhões por ano. A projeção para 2018 é 2,5 milhões.
Depois de receber relatos de abuso, automutilação e tentativas de suicídio de mais de 2.600 adolescentes pelo Brasil, a Vittude, uma startup brasileira, desenvolveu uma plataforma em que é possível encontrar psicólogos e agendar consultas gratuitas. Ao todo, 2.500 psicólogos participam de uma campanha para ajudar a prevenir o suicídio e incentivar a psicoterapia entre jovens vulneráveis.
A Associação Brasileira de Familiares, Amigos e Portadores de Transtornos Afetivos (Abrata) também é uma alternativa para pessoas com depressão e transtorno bipolar, assim como seus familiares e amigos buscarem ajuda e apoio. Sediada em São Paulo, a associação tem filiais em outros municípios e desensolve diversas atividades voltadas para esse público.