Vários hábitos foram influenciados pelo tempo muito maior que as pessoas passaram dentro de casa durante a quarentena. Um dos campeões, tanto em novos adeptos quanto no grau de dedicação de quem já praticava, é o cuidado com a pele, por motivos diversos: mais tempo, mais exposição de imperfeições no Zoom, mais ofertas. A rotina de limpar, hidratar e proteger virou tema preferencial dos influencers das redes e ganhou proporções gigantescas no TikTok, o aplicativo que os jovens não largam. Para dar uma ideia da popularidade do tema na plataforma de vídeos: a hashtag #skincare soma 24 bilhões de visualizações, e subindo; em português, #cuidadoscomapele ultrapassa os 240 milhões. “Cuidar da pele deixou de ser um ato mecânico e se tornou quase uma terapia”, avalia a dermatologista Ligia Kogos, de São Paulo.
O perfil mais famoso sobre o assunto no TikTok pertence ao americano Hyram Yarbro, 24 anos, um imigrante do YouTube que viu seus seguidores saltarem de 100 000 para 6,7 milhões durante a quarentena. Yarbro, que mora no Havaí, faz o tipo sincero e correto — fala mal dos produtos que é pago para anunciar, quando acha que deve, e presta atenção em preços e na sustentabilidade das fórmulas. A receita é um sucesso: só em julho ele ganhou 265 000 dólares com anúncios diretos e comissões sobre vendas a partir de seus links. Yarbro faz questão de informar seus seguidores que não é dermatologista nem esteticista. “Eu me esforço muito para pesquisar ingredientes, produtos e estratégias do ponto de vista científico. Não é porque funciona para mim que funcionará para você”, avisa.
No Brasil, um dos nomes mais conhecidos é o influenciador carioca Wanderlan Nascimento, 21 anos, que também começou no YouTube falando de cabelo e, no início da quarentena, descobriu o TikTok, o skincare e a altíssima popularidade: um de seus vídeos atingiu 3,5 milhões de visualizações. “Vi no nicho uma boa oportunidade, porque não havia muitos homens falando sobre o assunto”, relata. Exceção entre seus pares amadores, a médica e tiktoker Hanan Merhi, além de compartilhar sua rotina de autocuidado, aproveita o tempo on-line para aprender com colegas. “É uma maneira lúdica de assimilar conhecimentos”, acredita.
Os protocolos de higiene para conter a disseminação do novo coronavírus também deram impulso à disposição das pessoas de comprar produtos para suavizar manchas, espinhas e rugas que as máscaras e as chamadas de vídeo ressaltam, levando quem nunca deu muita bola para os cremes e ácidos a acompanhar os lançamentos nas redes. A personal trainer Fernanda Cheskys, 29 anos, de Niterói, conta que mudou completamente seus hábitos nos últimos meses. Além de zelar pelo corpo em forma, como sempre, agora passa pelo menos uma hora por dia tratando da cútis. “A pandemia ampliou minha visão dos cuidados com a saúde”, diz.
A audiência dos vídeos, claro, reverberou no mercado. A The Ordinary, marca que virou mania por ser bastante citada por Yarbro, bateu todos os recordes com um soro para prevenir o aparecimento de manchas no rosto: no auge, vendia um frasco a cada três segundos. A Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos contabiliza alta de 162% na comercialização de produtos para pele entre janeiro e setembro. Fundadora da Sallve, empresa que viu seu volume de vendas crescer mais de 500% entre abril e agosto, a publicitária e influencer Julia Petit acredita que o autocuidado deixou de ser um luxo e, de fato, ajudou as pessoas a superar as turbulências de 2020. “A imagem de alguém bebendo vinho e assistindo a filmes com uma máscara na face tornou-se sinônimo de relaxamento, uma experiência que todo mundo quer ter”, frisa.
O maior problema da popularidade do skincare nas redes sociais é a grande chance de, em vez de melhorar, ele acabar prejudicando a pele. É fundamental filtrar a enxurrada de informações na internet, visto que a maioria dos produtores de conteúdo é amadora. Cuidados simples de limpeza em geral são seguros, mas ácidos e outras substâncias, sobretudo aquelas anunciadas como milagrosas, do tipo que resolve tudo em pouco tempo, podem levar a reações sérias (veja o quadro de dicas). “As redes são ótimas para divulgar novidades, mas o acompanhamento médico é vital. Copiar o que outra pessoa usa, sem maiores cuidados, pode resultar em alergias e quadros clínicos”, diz Alessandra Romiti, coordenadora do departamento de cosmiatria da Sociedade Brasileira de Dermatologia.
Por muita insistência da filha Isabela, 12 anos, ávida consumidora de vídeos de skincare, a bancária Katia Vergamini, de São Paulo, comprou um creme para a menina usar no rosto e não deu certo. Uma ida ao dermatologista estabeleceu a nova rotina de Isabela antes de dormir: tirar a maquiagem (sim, ela usa), lavar o rosto com sabonete, passar adstringente, hidratante e um ácido para tratamento de acne. Disciplinada, Isabela já definiu sua carreira. Dermatologista? Não. “Quero ser blogueira”, informa. Tudo bem — como ensinou Voltaire, muito antes de o TikTok fazer as cabeças, o essencial é cada um estar bem consigo mesmo.
Publicado em VEJA de 16 de dezembro de 2020, edição nº 2717