De trato formal, mas afável e afeito a beijos, o ministro da Justiça, Sergio Moro, mudou o comportamento. Impôs, nos últimos dias, uma distância regulamentar entre seus auxiliares mais próximos, evita apertos de mão, tem recusado pedidos de selfie dos admiradores e as reuniões de trabalho se dão por meio de videoconferência. Esses cuidados também foram adotados pelo ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, que tem se mantido isolado em seu gabinete e troca informações através de câmeras, mesmo com assessores posicionados nas salas ao lado. O Ministério da Educação suspendeu a participação de servidores em treinamentos e eventos presenciais e ainda fechou ao público o acesso às dependências da pasta. Entre uma audiência e outra, o ministro Paulo Guedes, da Economia, toma seu cafezinho em xícaras esterilizadas e o da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, limpa compulsivamente com álcool tudo o que é tocado em seu gabinete. Não é exagero dizer que o poder está em quarentena.
Um dos auxiliares mais próximos do presidente Jair Bolsonaro, o secretário de Comunicação, Fabio Wajngarten, foi o primeiro assessor do Planalto a ser diagnosticado com o coronavírus. Ele integrou a comitiva presidencial na viagem aos Estados Unidos, realizada entre 7 e 10 de março, e teve a contaminação divulgada no dia 12. Do isolamento domiciliar, em São Paulo, ele contou que a recuperação é mais difícil do que parece. Além de Wajngarten, pelo menos outros três auxiliares do presidente foram diagnosticados com a Covid-19 até a última quinta-feira (19) — todos eles acompanharam Bolsonaro na viagem aos Estados Unidos. Aliás, dezessete pessoas que estiveram com a comitiva já testaram positivo para o vírus. Sem sombra de dúvida, essa passagem do presidente por Miami, onde jantou com Donald Trump, foi o vetor que ajudou a catapultar o número de casos em Brasília e deu ao governo brasileiro o indesejado título de um dos mais afetados do planeta.
Advogada do presidente e tesoureira do partido Aliança pelo Brasil, Karina Kufa foi outra infectada na incursão americana. Diariamente, ela grava vídeos em sua casa, em Brasília, relatando seu processo de recuperação. “Sinto um pouquinho de dor no corpo mais à noite, mas, com o remédio, consigo dormir superbem. Não é para todo mundo que essa doença é grave”, afirmou. Chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno também testou positivo. Ele, que se diz assintomático, está isolado em sua residência, em Brasília.
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Clique e AssineHeleno tem 72 anos e, por isso, é considerado um quadro de risco. Na terça-feira, um dia antes da confirmação, o general teve um expediente normal de trabalho. Na agenda oficial, consta que ele esteve três vezes no gabinete do presidente da República — duas a sós com Bolsonaro e, depois, em reunião com a presença dos ministros Jorge Oliveira, da Secretaria-Geral, e Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo.
A doença, como se sabe, é altamente contagiosa. Por isso há o monitoramento diário do estado de saúde do presidente. Bolsonaro fez dois testes e anunciou que não foi contaminado. A coleta do sangue, porém, havia sido feita na manhã de terça — antes, portanto, de passar ao menos uma hora com o já contaminado chefe do GSI. No mesmo dia, o próprio Bolsonaro anunciou que o titular de Minas e Energia, Bento Albuquerque, havia contraído o coronavírus. O ministro, que também integrava a comitiva na viagem aos Estados Unidos, vai cumprir o isolamento no Rio de Janeiro.
Além dos assessores do governo, a doença atingiu quatro parlamentares, entre eles o presidente do Congresso, Davi Alcolumbre. No início da semana, o senador teve febre e dor no corpo. Desde então, está isolado na residência oficial, sem contato com a família ou assessores. Por ora, os auxiliares de Bolsonaro também seguem em recuperação domiciliar. Caso haja o agravamento do estado de saúde de algum deles, o protocolo recomenda que seja encaminhado ao Hospital das Forças Armadas, que tem dez leitos de UTI para pacientes com coronavírus. Parece pouco. Por questões de segurança, há um quarto com UTI reservado exclusivamente para o presidente da República. O hospital também reforçou seu estoque de máscaras, luvas, capotes, equipamentos de medição de temperatura corporal a distância e medicamentos. Para o bem do país, tomara que nada disso seja necessário.
Publicado em VEJA de 25 de março de 2020, edição nº 2679