Conheça a mulher que doa órgãos a estranhos
A britânica Tracey Jolliffe já doou rim, óvulos e sangue a estranhos. Agora irá doar parte do fígado
A britânica Tracey Jolliffe tem 50 anos e já doou um rim, 16 óvulos e mais de 45 litros de sangue para estranhos. Agora ela quer doar parte de seu fígado e pretende deixar seu cérebro para ser estudado pela ciência. “Se tivesse mais um rim extra, o doaria também”, disse ao programa Victoria Derbyshire, da BBC.
Tracey é o que os britânicos chamam de “doadora altruísta” – pessoas dispostas a dar um órgão para salvar a vida de um desconhecido. Praticamente toda sua vida está de alguma forma relacionada à saúde, segundo informações da BBC Brasil. Ela é microbióloga e trabalha no NHS, sistema de saúde público da Grã-Bretanha. Seus pais eram enfermeiros e ela passou a vida ouvindo sobre a importância da assistência médica sob um ponto de vista profissional.
Doadora desde jovem
Mas ela decidiu que iria fazer a diferença também a nível pessoal. “Eu me registrei como doadora de sangue e de medula quando tinha 18 anos”, contou.
Em 2012, ela foi uma das menos de cem pessoas no Reino Unido a doar um rim para um desconhecido, apesar dos riscos e da complexidade do processo. Uma pessoa viva para doar um rim, porque só precisa de um dos dois existentes para sobreviver, desde que esteja saudável. No entanto, o processo é complexo e envolve riscos. Segundo ela, são necessários até três meses de avaliações das condições do doador antes da operação. Isso inclui exames de raio-X, cardíacos e de funcionamento do órgão, por meio de uma série de testes de sangue. “Não é algo que você faz se tem medo de agulhas”, brincou.
Tracey também relatou que ficou internada cinco dias no hospital após a operação e que sua vida “voltou ao normal” após seis semanas.
Riscos baixos
Os riscos associados à doação de rim são baixos se o doador estiver saudável, com uma taxa de mortalidade de um para cada 3.000 pacientes – o mesmo de remoções de apêndice. Segundo o NHS, a maioria dos doadores de rim tem uma expectativa de vida equivalente – ou maior – do que a média geral das pessoas.
Segundo a ONG britânica Kidney Research UK, pelo menos 60% das pessoas que recebem um rim podem ter a expectativa de viver em média por mais 15 anos após o transplante. O rim doado por Tracey provavelmente salvou a vida de uma pessoa. “Eu me lembro disso todo dia quanto acordo”, disse orgulhosamente.
Agora, Tracey apoia a organização de caridade Give a Kidney (Doe um Rim, em inglês), que incentiva outras pessoas a fazerem o mesmo.
Mas se engana quem acha que a microbióloga parou por aí. Além do rim, ela já doou mais 45 litros de sangue e 16 óvulos, que permitiram a três casais terem filhos. “Não tenho vontade de ter filhos, então, pensei ‘Sou saudável, por que não?'”, conta.
Regeneração, mas risco maior
Agora, Tracey quer doar parte de seu fígado – também para um desconhecido -, apesar do aumento do risco envolvido nessa operação. “O perigo é muito maior do que na doação de rim”, afirma. A taxa de mortalidade de uma doação a partir do lóbulo direito do órgão é de uma morte a cada 200 pessoas e, a partir do lóbulo esquerdo, de uma a cada 500.
Mas, segundo ela, muitos doadores têm uma vida longa e saudável após o transplante, diante da “incrível capacidade de regeneração” do órgão. Quase imediatamente após a cirurgia, o restante do fígado do doador começa a crescer, um processo conhecido como hipertrofia e que continua por até oito semanas.
Cérebro para a ciência
Tracey afirmou que continuará a doar enquanto puder e contou que se registrou para doar seu cérebro para a ciência após morrer. Esse procedimento é feito até 24 horas após a morte de uma pessoa e desempenha um papel importante no estudo de diversas doenças como a demência, por exemplo.
Mas, afinal, quais são as razões de Tracey para doar seus órgãos ainda em vida a pessoas que não conhece? “É parte da minha natureza, minha oportunidade de fazer algo de bom.”, concluiu.
Fila de transplantes
Até 30 de setembro de 2016, 5.126 estavam na fila de espera por um rim no NHS. O tempo médio de espera pela operação é de três a quatro anos. No Brasil, esse número é quase quatro vezes maior: 20.000 pessoas, entre adultos e crianças, aguardavam um rim até março de 2016, segundo dados da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos.
O rim é de longe o órgão mais requisitado. De todos os pacientes à espera por um transplante de órgãos no Brasil, 58,7% aguardam por um rim. O segundo mais demandado na lista é o fígado, com uma tava 4,2%.